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    A tecnologia do pescado vs. teor de sódio no pescado

    Uma discussão que vem se estendendo há 7 anos (desde 2017) entre o setor produtivo, incluindo importadores e indústria do pescado, e os órgãos reguladores como ANVISA e MAPA, é sobre o teor de sódio no pescado, utilizado como um parâmetro químico para determinar a identidade e qualidade do pescado, sendo um indicativo de “possíveis fraudes econômicas”.A adição de aditivos de grau alimentar, como polifosfatos, bicarbonato de sódio, citrato de sódio, entre outros, que contenham sódio em sua composição é comum no processamento de carnes. Esses aditivos têm como função principal a retenção de água no tecido muscular, o que resulta em melhorias na qualidade sensorial do produto, incluindo suculência, textura e sabor.

    O sal (cloreto de sódio) é amplamente utilizado no processamento de alimentos, inclusive no pescado, com funções fundamentais: conservação, inibindo o crescimento microbiano; modificador de sabor, tornando o pescado mais palatável; e contribuição para a textura e qualidade dos produtos finais. É imperativo destacar que inúmeros processos tecnológicos, amplamente adotados em escala global na cadeia produtiva do pescado, ocasionalmente, em determinadas etapas, levam a um aumento do teor de sódio no músculo do pescado. No entanto, tal incremento não compromete a qualidade final do produto nem a segurança do consumidor.

    Aqui podemos destacar o resfriamento a bordo do pescado que utiliza a água do mar refrigerada (Refrigerated Sea Water – RSW) e a água do mar resfriada (Chilled Sea Water – CSW), e quando o pescado é armazenado e resfriado nestas condições, há um aumento no teor de sais de sódio. Ainda, é evidente que o aumento do sal varia com diferentes pescarias e será influenciado pela espécie, tempo de espera (armazenamento), e se os peixes são ou não eviscerados.

    Outro processo tecnológico bastante utilizado é o congelamento em salmoura, que envolve a imersão de peixes (como sardinha, arenque, cavalinha, atum, bonito, entre outros), em uma solução salina composta tipicamente de água do mar e cloreto de sódio (NaCl) resfriada a uma temperatura inferior ao ponto de congelamento do peixe, variando entre -12°C e -18°C, com uma concentração de sal de 19 a 21%. Durante o período de congelamento em salmoura, ocorre absorção de sal pelo peixe devido à diferença entre o teor de sal natural do peixe fresco (~0,25%) e o da salmoura. No entanto, práticas adequadas de manuseio dos peixes resultam em apenas pequenas quantidades de absorção de sal pela carne do peixe, geralmente menos de 2% em salmouras com salinidade entre 16% e 19%.

    Outro processo tecnológico que merece atenção é a salga – método tradicional de conservação de pescado, com origem que se estende há milhares de anos. O peixe salgado pode ser preparado de diferentes formas, incluindo a salga seca, a salga úmida (imersão em salmoura), salga por injeção, ou uma combinação dessas diferentes técnicas, podendo ou não passar por uma etapa de secagem (para a padronização do percentual de umidade no produto final). Tais métodos resultam em um produto que é significativamente mais salgado do que o peixe fresco, e este alto teor de sal e a desidratação eficaz tornam o peixe salgado adequado para armazenamento por longos períodos sem a necessidade de refrigeração, desde que mantido em um ambiente seco e fresco. O produto salgado ou salgado seco, chega a alcançar de 10-25% de sal.

    O Codex Alimentarius classifica os tipos de salga de peixe como:

    • Peixe muito levemente salgado: >1 e ≤ 4 g/100 g na fase aquosa;
    • Peixe levemente salgado: >4 e ≤ 10 g/100 g;
    • Peixe salgado médio: >10 e ≤ 20 g/100 g;
    • Peixe fortemente salgado: >20 g/100 g na fase aquosa.

    Considerando essas informações, tanto a indústria do pescado quanto os consumidores têm aumentado sua conscientização sobre a relação entre o consumo de sódio e possíveis problemas de saúde. Como resultado, em muitos países, há uma crescente demanda por uma variedade de produtos de pescado com baixo teor de sal.

    Produtos com baixo teor de sódio podem ser obtidos independentemente da tecnologia empregada, através da inclusão de novos ingredientes ou aditivos, sem comprometer a segurança alimentar do consumidor. Um exemplo disso é a prática de salgar levemente filés de bacalhau e posterior congelamento, um processo em ascensão na Islândia devido à crescente demanda por esses produtos no sul da Europa, especialmente na Espanha, Itália e Grécia.

    A preocupação se torna relevante quando um produto levemente salgado, ou até mesmo um produto salgado que passou por uma etapa de dessalga, é submetido ao registro ou comercialização junto ao órgão competente de inspeção e fiscalização, pois pode não se enquadrar na legislação vigente. No entanto, é importante ressaltar que ao indicar o teor de sódio devidamente na rotulagem, o consumidor tem a possibilidade de saber exatamente o que está consumindo.

    No Brasil, a Instrução Normativa Nº 21, de 31 de maio de 2017, aprovou o Regulamento Técnico que fixa a identidade e as características de qualidade (RTIQ) que deve apresentar o peixe congelado, que limita o teor de sódio em no máximo 134 mg de Na/100g. Recentemente, a Portaria SDA/MAPA Nº 1.022, de 29 de fevereiro de 2024, aprovou o RTIQ para moluscos cefalópodes, e limitou o teor de sódio: no máximo 194 mg (lulas, exceto para a espécie Dosidicus gigas, que deve ser inferior a 238 mg), no máximo 352 mg (sépias) e 662 mg (polvos).

    Após extensos debates sobre o limite máximo de ingestão de sódio pelo consumidor, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu, em 2006, um limite máximo de 2.000 mg (ou 5 g de sal por dia) para adultos. Este valor é significativamente menor do que os limites estabelecidos em muitos países. A necessidade diária de Na+ corresponde a 3,75 a 5,00 g de sal de cozinha por dia.

    Na literatura científica, tanto nacional quanto internacional, há uma escassez de estudos que se concentrem especificamente na quantificação de sódio em peixes in natura ou congelados. A maioria das publicações existentes aborda produtos derivados do pescado ou naqueles com baixo teor de sódio.

    O Dr. Contreras-Guzmán, do Chile, observou que o teor de sódio em peixes brasileiros e chilenos é significativamente superior (119,3 e 167,1 mg/100g) à média geral (63 mg/100g), atribuindo essa diferença aos hábitos alimentares dos peixes. Peixes da Nova Zelândia também apresentam níveis elevados de sódio, semelhantes aos encontrados em peixes sul-americanos.

    O Dr. Venugopal, da Índia, afirma que a maioria dos peixes marinhos frescos pode ser classificada como alimentos com baixo teor de sódio (~140 mg por porção), mas processados como congelados, enlatados e defumados podem conter de 300 a 900 mg/100g.

    Andrade et al. (2009) analisaram espécies como sardinha (184,54 mg), tainha (98,07 mg), camarão (163,20 mg), ariacó (80,39 mg) e guaiúba (108,88 mg), identificando variações naturais. Outras bases internacionais indicam ampla variabilidade: de 18 a 594 mg/100g em peixes e 44 a 363 mg/100g em lulas.

    A Instrução Normativa Nº 1, de 15 de janeiro de 2019, define para peixe salgado e salgado seco um limite mínimo de 12% de sal, ou seja, cerca de 4.800 mg de Na/100g. Mesmo após dessalga, o teor final pode ultrapassar limites impostos a produtos congelados, como no caso do bacalhau.

    Além disso, o sódio está naturalmente presente em diversos alimentos, como leite, carnes, moluscos e peixes, mas também em ultraprocessados. Alguns exemplos incluem:

    • Pães franceses: 411-880 mg
    • Queijo parmesão: 580-1.787 mg
    • Macarrão instantâneo: 1.153-3.320 mg

    A limitação de sódio em peixes e moluscos pode dificultar tanto a fiscalização quanto a indústria, pois, mesmo com adição tecnológica, os valores não comprometem a saúde pública, desde que rotulados corretamente. O FNDE recomenda limites por refeição: 400 mg (1 refeição), 600 mg (2), 1.400 mg (3+).

    Em conclusão, é importante alertar os órgãos fiscalizadores e de inspeção do pescado de que, com base na literatura científica, nas bases de dados de composição de alimentos, nas inovações tecnológicas e nos limites de ingestão diária de sódio recomendados internacionalmente, utilizar o “teor de sódio” como um parâmetro de identidade e qualidade para o pescado não faz sentido técnico. Podendo inclusive prejudicar o setor produtivo e sem oferecer ganhos para a segurança alimentar, especialmente considerando que outros alimentos comuns apresentam teores de sódio significativamente mais altos. Se o objetivo é usar o teor de sódio para supostamente detectar fraudes por meio do uso de aditivos alimentares, esse não é o caminho mais adequado.

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