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    A tecnologia do pescado vs. teor de fósforo no pescado

    Conforme já abordado na coluna anterior, algumas discussões vêm se estendendo há anos entre o setor produtivo (importadores, indústria do pescado, e indústria de aditivos) e os órgãos reguladores (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA). Hoje, irei abordar o uso de aditivos de grau alimentar, cuja função tecnológica principal é a de retenção de água no tecido muscular, resultando em melhorias na qualidade sensorial do produto, incluindo a suculência, textura e sabor – os fosfatos.O pescado ou “aquafood” em um sentido mais amplo (incluindo espécimes de água doce, salobra ou marinha), englobam todos os organismos aquáticos destinados ao consumo humano, como peixes, moluscos, crustáceos, anfíbios, quelônios, mamíferos, equinodermos, entre outros. Esses produtos desfrutam de popularidade global devido à sua alta qualidade nutricional, resultando em uma demanda significativa dos consumidores. Além disso, à medida que os custos dos produtos aumentam, os consumidores almejam que os produtos de pescado mantenham excelente qualidade com mínima perda de peso e nutrientes.
    Mulher com cesta vermelha observa variedade de pescados frescos em exposição em um supermercado, refletindo a alta demanda por produtos aquáticos destinados ao consumo humano.
    A crescente demanda por pescado reflete sua alta qualidade nutricional. Ilustração gerada por IA.
    No entanto, logo após serem capturados (ou despescados), a porção comestível do pescado passa por uma série de mudanças complexas, envolvendo processos enzimáticos, bioquímicos e microbiológicos, levando a uma redução na qualidade e a um potencial diminuição de até 80% na capacidade de retenção de água. Nesse contexto, é crucial enfatizar que a água constitui uma parte substancial da fração comestível do pescado, influenciando principalmente suas qualidades sensoriais. Reconhecendo esses problemas, práticas comerciais, tanto em nível nacional quanto internacional, incorporaram medidas para regular, adicionar e manter a umidade no pescado durante as etapas de captura, processamento, distribuição, armazenamento e preparação. Como exemplo, o uso do aditivo alimentar “fosfato”, que tem sido empregado globalmente há muitos anos para tratar o pescado ao longo dos diversos processos tecnológicos, minimizando perdas, garantindo sua estabilidade e qualidade.Os fosfatos são reconhecidos como aditivos multifuncionais, permitindo suas aplicações no processamento do pescado em diversas formas, atuando como emulsificantes, especialmente em produtos reestruturados e embutidos; onde ajudam na retenção de umidade e para realçar o sabor natural, inibindo, com isso, a perda de fluidos durante o descongelamento e o cozimento; atuam também como estabilizadores para preservação da cor; fornecem suplementos minerais; servem como acidulantes; como inibidores de descoloração; funcionam como agentes sequestrantes para inibir a oxidação lipídica através da quelação e sequestro de íons metálicos; e, por fim, oferecem a crioproteção para minimizar perdas de proteínas através da desnaturação durante o congelamento, estendendo assim a vida útil do produto.A aplicação de fosfatos em certos setores da indústria do pescado tem sido minuciosamente examinada por órgãos governamentais em várias nações, pois seu uso inadequado, resulta em absorção excessiva de umidade, e gera preocupações sobre possíveis fraudes econômicas. Salienta-se que a perda excessiva de água tem o potencial de comprometer a qualidade do produto, sua vida útil e, em última análise, a aceitação do consumidor. Essa fiscalização é evidente no Brasil, especialmente dentro do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

    No entanto, quando utilizados de forma adequada e prudente, os fosfatos preservam os sucos naturais, reidratam a água perdida durante o período post-mortem, resultando em produtos mais macios e suculentos, além de não comprometer o sabor. Nesse sentido, ter uma legislação específica e aprovada para a aplicação de fosfatos no pescado é essencial. O objetivo não seria apenas melhorar a qualidade dos produtos fornecidos aos consumidores, mas também reduzir as perdas econômicas no processamento (como minimizar perdas nas linhas de produção) e contribuir para a justa “luta” contra a fraude, uma vez que qualquer produto não regulamentado tem seus riscos aumentados e o seu controle comprometido.

    Lembrando que o pescado naturalmente contém fosfatos e, portanto, fósforo. Detectar o nível de polifosfatos adicionados apenas através da medição de fosfato ou fósforo total é desafiador porque os níveis naturais variam amplamente. Como não é possível determinar o conteúdo natural de fosfato de uma amostra antes do processamento, é crucial considerar as variações em amostras não processadas. Isso garante que a quantidade calculada de fosfatos adicionados não se confunda com os naturais. Os resultados podem então ser relatados como “pelo menos uma quantidade específica de fosfatos foi adicionada ao produto”, assegurando a qualidade dos resultados. Esse problema surge porque a legislação geralmente se concentra na regulamentação da quantidade de fosfatos adicionados, em vez do conteúdo total de fosfato que um produto pode ter, incluindo o fosfato natural.

    Internacionalmente, o controle do uso de fosfatos aplicados ao pescado vem sendo regulado pelo teor de fósforo total (P) expresso como pentóxido de fósforo (P2O5) e o limite varia de 1-5 g P2O5/kg, dependendo de sua aplicação. Porém, é importante mencionar que a legislação brasileira limita um conteúdo máximo de fósforo total de 5 g de P2O5/kg em peixes congelados, e apenas no revestimento externo de gelo (glazing) para as demais espécies, conforme ilustrado a seguir.

    LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL E BRASILEIRA SOBRE LIMITES DE FOSFATOS
    CODEX ALIMENTARIUS
    (Codex, 2014; 2023)
    Peixes congelados, filés de peixe e produtos de peixe, incluindo moluscos, crustáceos e equinodermos (2,200 mg P/kg = 5,038 mg P2O5 /kg = 5 g P2O5 / kg)
    EUROPEAN UNION
    (Commission Regulation, 2011)
    Produtos enlatados de crustáceos; surimi e produtos similares (1 g P2O5 / kg); Peixes não processados; moluscos e crustáceos não processados; pasta de peixe e crustáceos e em moluscos e crustáceos processados congelados e ultracongelados (5 g P2O5 / kg).
    US CODE OF FEDERAL REGULATIONS
    (USCFR, 2023)
    Substância GRAS (Geralmente Reconhecida como Segura) quando usada de acordo com as Boas Práticas de Fabricação.
    HEALTH CANADA
    (HC, 2023)
    Mariscos congelados; Camarão cozido congelado; Caranguejo congelado; Filés de peixe congelados; Lagosta congelada; Peixe moído congelado; Camarão congelado; Lula congelada – Para reduzir as perdas de processamento e pela exsudação ao descongelar (em combinação com outros fosfatos permitidos por esta lista para o mesmo propósito de uso, o fosfato total adicionado não deve exceder 0,5% (5 g P2O5 / kg), calculado como fosfato de sódio.
    MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA
    (Brazil, 2017; 2019a; 2019b; 2024)
    RTIQ Peixe congelado – o fósforo total deve ser no máximo 5 g P2O5/kg de tecido muscular;

    RTIQ Camarão – O glaciamento consiste na aplicação de água, adicionada ou não de aditivos, sobre a superfície do camarão congelado, formando-se uma camada protetora de gelo para evitar a oxidação e desidratação;

    RTIQ Lagosta – Revestimento externo (glaciamento) de peixe congelado, camarão congelado, lagosta congelada para evitar rachaduras do glaciamento (0,5%; 5 g P2O5 / kg)

    RTIQ Moluscos cefalópodes – Quando se tratar de produto congelado, com uso de aditivos na água de glaciamento, deve constar na rotulagem a expressão: “Contém [função principal] e [nome completo do aditivo], na água de glaciamento”.

    AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA
    (Brazil, 2019)
    Na categoria de revestimento externo de pescado congelado (0,5%; 5 g P2O5 / kg)

    É importante evidenciar a variabilidade nos níveis de fósforo em peixes crus, onde foi realizada uma revisão em 132 bancos de dados internacionais sobre o valor nutricional dos alimentos. Entre esses, 11 bancos de dados (Composición de Alimentos Española; European Food Safety Authority; Food Nutrition Canada; INCAP – Guatemala; Italy Food Composition; Japan Food Composition; New Zealand – Food Composition; Norwegian Food Composition; Portfir – Portugal; UK Nutrient analysis of fish and fish products; US FDA) forneceram informações sobre os níveis de fósforo (que foram transformados em P2O5), revelando variação significativa nos 654 valores obtidos (variando de 1,90 a 27,48 g de P2O5/kg). Notavelmente, aproximadamente 45% desses valores excederam o valor limitado em 5 g de P2O5/kg, enfatizando o desafio técnico em estabelecer um ponto de corte definitivo ou limite de fósforo para a categoria “pescado”.

    Com base nessas informações, fica evidente que os aditivos fosfatos de grau alimentício contribuem significativamente para a qualidade, estabilidade e segurança dos alimentos, especialmente no pescado. Sendo amplamente aceitos globalmente, seu uso é regulado tanto pelas Boas Práticas de Fabricação quanto pelas regulamentações locais. No entanto, cumprir as restrições estabelecidas pelas autoridades brasileiras apresenta desafios significativos para os inspetores e os players da indústria (importadores ou processadores).

    Estabelecer um padrão universal para os níveis de fosfato, pH ou sódio para o pescado é tecnicamente complexo, destacando as variações naturais. Curiosamente, exceder esses limites no Brasil pode não representar riscos à saúde, como observado em outros alimentos, mas equilibrar as medidas regulatórias com a natureza dinâmica da composição dos alimentos continua sendo um desafio persistente para garantir a segurança do consumidor e a conformidade da indústria.

    Finalmente, a cooperação e o bom senso são cruciais para uma colaboração bem-sucedida entre a indústria e os órgãos reguladores sobre parâmetros físico-químicos para o pescado. Exceder os limites de fósforo ou sódio estabelecidos pelas autoridades brasileiras pode não necessariamente prejudicar a saúde, já que muitos alimentos no mercado ultrapassam os limites recomendados sem serem removidos ou proibidos.

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