Os produtos à base de pescado são altamente valorizados por seu valor nutricional, mas ao mesmo tempo altamente perecíveis, o que exige métodos eficazes de monitoramento de frescor para garantir a segurança alimentar, reduzir o desperdício e prolongar a vida útil ao longo da cadeia produtiva. Nesse sentido, as embalagens inteligentes surgem como uma solução promissora, capazes de monitorar em tempo real a qualidade e a segurança dos alimentos, além de alertar sobre processos de deterioração.

Assim, destacamos nesta coluna os avanços mais recentes nas tecnologias aplicadas ao monitoramento do frescor de pescado, com ênfase em sistemas de embalagem inteligente baseados em indicadores colorimétricos, sensores e etiquetas de identificação por radiofrequência. Abordaremos também os principais atributos de qualidade relacionados ao frescor, destacando a necessidade de métodos que sejam rápidos, precisos, econômicos e não destrutivos.
Atributos de qualidade e métodos tradicionais de avaliação do frescor
A deterioração do pescado ocorre em duas fases: inicialmente pela autólise enzimática e, posteriormente, pela proliferação microbiana, resultando na degradação do ATP em compostos como hipoxantina, na formação de aminas voláteis e aminas biogênicas (AB) a partir da decomposição de proteínas, e na liberação de aldeídos e cetonas pela oxidação lipídica, além de alterações sensoriais como odor, cor e textura. A avaliação do frescor baseia-se em quatro classes de atributos — sensoriais, químicos, físicos e microbiológicos — sendo que indicadores como aparência, cor, textura, elasticidade, degradação de ATP, níveis de N-BVT, AB, IP, TBARS, condutividade e contagem microbiana são amplamente utilizados; contudo, apesar de confiáveis, esses métodos são onerosos, demorados, destrutivos e demandam mão de obra especializada, o que limita sua aplicação em larga escala.
Tecnologias de embalagens inteligentes para monitoramento do frescor
Reconhecidamente, a embalagem tradicional visa proteger e conservar os alimentos, mas não é suficiente frente às crescentes demandas de rastreabilidade, segurança e redução de perdas. Nesse contexto, surgem as embalagens inteligentes, que operam por meio de componentes capazes de detectar, registrar, comunicar e responder a mudanças na qualidade do alimento em tempo real. Aplicadas a produtos de pescado, essas tecnologias permitem monitorar a degradação do produto de forma não destrutiva, fornecendo informações úteis para consumidores, distribuidores e reguladores. Essas tecnologias se agrupam em três categorias descritas a seguir.
Indicadores
Os indicadores funcionam com base em substâncias sensíveis a compostos voláteis (como aminas) que alteram o pH da atmosfera interna da embalagem. As alterações de pH provocam mudanças visíveis na cor dos corantes presentes nos filmes indicadores. Esses sistemas permitem ao consumidor identificar visualmente, de forma rápida e não destrutiva, o nível de frescor do produto.
- Indicadores colorimétricos sintéticos – utilizam corantes sintéticos como verde de bromocresol, alizarina e polianilina, que apresentam mudança de cor diante de variações de pH. Eles são preferidos por seu baixo custo, facilidade de produção, estabilidade química e sensibilidade adequada. Vários estudos demonstraram sua eficácia no monitoramento do frescor do pescado e produtos de pescado. Algumas formulações podem inclusive ser reutilizadas após regeneração.
- Indicadores colorimétricos naturais – Diante das preocupações com a toxicidade dos compostos sintéticos, pesquisadores vêm explorando corantes naturais, especialmente antocianinas extraídas de frutas e vegetais, como repolho roxo (mudança de cor de vermelho ➞ amarelo), amora (vermelho ➞ verde), pitaya (roxo ➞ amarelo), hibisco (roxo ➞ amarelo), etc. Esses pigmentos são não tóxicos, biodegradáveis e apresentam ampla faixa de variação cromática. Contudo, apresentam menor estabilidade e sensibilidade frente aos sintéticos, o que ainda limita sua ampla aplicação.
- Tecnologias avançadas de processamento de indicadores – Novas abordagens, como nanofibras e fiação eletrostática (eletrostatic spinning technology), vêm sendo aplicadas para aumentar a estabilidade e a reprodutibilidade dos filmes indicadores. Essas técnicas permitem o controle fino da deposição dos corantes e até a gravação de padrões colorimétricos visuais nos filmes, facilitando a leitura dos resultados.
Sensores
Um sensor pode ser definido como um dispositivo capaz de detectar, localizar ou quantificar energia ou matéria, gerando um sinal físico ou químico para um equipamento de medição. Geralmente, possui dois componentes principais: o receptor e o transdutor. Atualmente, diversos tipos de sensores aplicados em embalagens inteligentes são capazes de monitorar com alta sensibilidade e precisão a frescor de produtos pesqueiros, alguns deles detectando inclusive variações na concentração de compostos associados à deterioração.
- Sensores de gás – detectam substâncias produzidas durante a deterioração, como aminas, dióxido de carbono, e enxofre. Os mais comuns aplicam princípios fotoeletroquímicos e são divididos em sensores colorimétricos, de resistência, condutividade e fluorescência.
- Sensores colorimétricos – conjuntos de sensores colorimétricos com diferentes corantes sensíveis a compostos específicos. Esses sensores são inseridos na embalagem e permitem a análise multivariada por meio de processamento de imagem, correlacionando-se com os parâmetros físico-químicos e microbiológicos. Sua sensibilidade e abrangência fazem deles uma alternativa promissora para monitoramento em tempo real.
- Sensores de resistência – Esses sensores operam com base em mudanças na impedância elétrica de filmes poliméricos em resposta à presença de aminas. Sua fabricação envolve deposição em substratos condutores, com leitura de sinais via microcontroladores. São sensíveis e seletivos, mas ainda restritos a ambientes controlados.
- Sensores de condutividade – Utilizam eletrodos para medir a condutividade de uma fase aquosa inserida na embalagem. A condutividade aumenta à medida que compostos voláteis básicos (como NH₄⁺) se acumulam. Essa abordagem tem a vantagem de ser não destrutiva, sensível e de custo relativamente baixo, embora exija calibração específica para cada produto.
- Sensores fluorescentes – Sensores baseados em fluorescência utilizam compostos que mudam de intensidade luminosa na presença de gases voláteis. Possuem altíssima sensibilidade, requerendo apenas microgramas de substância ativa. Apesar de sua eficácia, ainda são limitados pelo custo e pela necessidade de equipamentos específicos para leitura da fluorescência.
- Biossensores – Os biossensores empregam elementos biológicos, como enzimas (xantina oxidase) ou anticorpos, para detectar metabólitos específicos da degradação do pescado, como hipoxantina e histamina. Embora ofereçam alta especificidade, sua integração em embalagens ainda é limitada, sendo mais utilizados em laboratórios ou sistemas logísticos industriais.
Etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID)
As etiquetas RFID (do inglês, Radio-Frequency IDentification) integram sensores químicos e chips de comunicação sem fio, permitindo monitoramento remoto e rastreamento em tempo real. Algumas versões avançadas operam sem bateria, armazenando informações como temperatura, presença de gases e tempo de exposição. Embora precisas e robustas, seu custo ainda restringe o uso a produtos de alto valor.
Qual a situação atual das pesquisas com embalagens inteligentes para pescado?
Apesar do progresso científico, a aplicação prática de embalagens inteligentes para pescado ainda enfrenta desafios. O primeiro refere-se à cultura do consumo, que privilegia produtos frescos em mercados abertos. O segundo está relacionado ao custo de produção, que encarece o produto final. Por fim, a transição do laboratório para a escala industrial ainda demanda padronizações, validações e melhorias na durabilidade dos sensores. Atualmente, os indicadores colorimétricos simples, sobretudo os baseados em pH, são os mais próximos da aplicação comercial. Contudo, é necessário avançar na estabilidade dos corantes naturais e na segurança dos sintéticos. Sensores mais complexos, como os colorimétricos e os baseados em RFID, têm maior potencial tecnológico, mas enfrentam barreiras econômicas e operacionais.
Perspectivas futuras
O uso de embalagens inteligentes para o monitoramento do frescor de produtos de pescado representa uma inovação tecnológica promissora, com potencial para melhorar significativamente a segurança alimentar, reduzir desperdícios e agregar valor à cadeia produtiva. Embora os avanços científicos nessa área sejam substanciais, a aplicação comercial ainda enfrenta desafios relacionados ao custo, estabilidade dos materiais, viabilidade industrial e aceitação do consumidor.
A integração com embalagens ativas se destaca como uma estratégia complementar eficaz, permitindo não apenas o monitoramento em tempo real, mas também a ação direta sobre o alimento, por meio da liberação controlada de agentes antimicrobianos ou antioxidantes. Nesse contexto, o uso de tecnologias emergentes, como nanomateriais e processos de fabricação não térmicos (p. ex., fiação eletrostática), pode melhorar a estabilidade, funcionalidade e desempenho dos sensores e filmes ativos, desde que se assegure a segurança quanto à migração de substâncias para os alimentos.
Entre as soluções mais viáveis tecnicamente e economicamente estão os indicadores colorimétricos de baixo custo e fácil leitura, especialmente aqueles baseados em compostos naturais, como antocianinas. No entanto, ainda é necessário aprimorar sua sensibilidade, estabilidade e resistência a interferências externas, para garantir confiabilidade e facilitar a adoção em contextos comerciais.
Por fim, a aceitação do consumidor se apresenta como um fator determinante para o sucesso dessa tecnologia. A introdução gradual em produtos de maior valor agregado, associada a estratégias de comunicação clara sobre os benefícios das embalagens inteligentes, pode favorecer a percepção de valor e promover a confiança do consumidor.
O avanço e consolidação dessas tecnologias exigem esforços integrados entre setor produtivo, agências reguladoras e centros de pesquisa, para transformar o conhecimento técnico em soluções acessíveis, eficazes e seguras para o mercado do pescado.
Exemplos
Indicador inteligente de prazo de validade
Para combater o desperdício de alimentos, a HelloFresh começou a trabalhar em conjunto com a Dutch Wageningen University & Research, na Holanda, que desenvolveu um indicador inteligente de validade chamado “Keep-it”. O rótulo mede a temperatura do ambiente de armazenamento e calcula a validade real do produto.

Posteriormente a Keep-it Technologies, empresa norueguesa produz chips com termômetro integrado que calculam a vida útil dos alimentos considerando as condições de produção, transporte e armazenamento. Essa tecnologia permite o consumo seguro dos produtos, independentemente da data de validade impressa na embalagem.

OnVu™ é uma tecnologia de indicador inteligente que monitora a cadeia de frio de peixes e produtos de pescado, alertando quando são expostos a temperaturas inseguras. O sistema, utilizado no aplicativo Fresh Meter, emprega tinta sensível à temperatura para criar um indicador dinâmico no rótulo. Após a vedação da embalagem, a etiqueta é ativada e permite ao consumidor comparar a cor do círculo central (azul quando fresco, cinza quando impróprio) com um anel externo de cor estática, facilitando a avaliação da qualidade do produto.

Maiores informações em:
- Wu, D.; Zhang, M.; Chen, H.; Bhandari, B. Freshness monitoring technology of fish products in intelligent packaging. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 61(8): 1279-1292, 2021. https://doi.org/10.1080/10408398.2020.1757615










