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    Poluição por plásticos: impactos no pescado, riscos ao consumidor e estratégias de mitigação

    A presença de partículas plásticas — especialmente micro (1 µm e 5 mm) e nanoplásticos (< 1 µm) — tornou-se um dos temas mais comentados quando se fala em meio ambiente, segurança dos alimentos e saúde humana. Esses fragmentos são amplamente detectados em ecossistemas aquáticos, motivo pelo qual sua presença em produtos da pesca passou a receber grande atenção pública e científica. No entanto, o destaque dado ao tema não necessariamente corresponde ao impacto real dessas partículas na exposição humana.

    Pesquisas recentes mostram que a preocupação popular e midiática tende a ser maior do que justificam as evidências disponíveis. A comunicação sobre o assunto frequentemente enfatiza de forma exagerada os riscos associados ao consumo de pescado, sem considerar aspectos fundamentais, como: (i) a quantidade extremamente baixa de partículas ingeridas pela dieta; (ii) a limitada capacidade de absorção dessas partículas pelo organismo humano, e (iii) o papel dominante de outras vias de exposição, especialmente a poeira e o ar ambiente, que representam a maior parte da carga de microplásticos à qual estamos expostos diariamente.

    Na recente publicação científica sobre o tema, Henry et al. (2025) reforçam esse desequilíbrio ao demonstrar que mais de 70% dos estudos sobre microplásticos em alimentos concentram-se em produtos pesqueiros, mesmo que essas partículas também sejam encontradas em carnes, vegetais, bebidas, água potável e, sobretudo, na poeira doméstica. Organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), do inglês World Health Organization (WHO, 2022) e a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), do inglês European Food Safety Authority (EFSA, 2016), corroboram essa visão e destacam que os dados disponíveis ainda são fragmentados, heterogêneos e insuficientes, o que impede avaliações quantitativas de risco robustas.

    Diante desse cenário, apresentamos nesta coluna, uma síntese atualizada e clara sobre a problemática dos plásticos no ambiente aquático, seus potenciais impactos, a real exposição do consumidor e as estratégias de mitigação recomendadas ao longo da cadeia produtiva.

    A PROBLEMÁTICA DA POLUIÇÃO POR PLÁSTICOS

    A poluição plástica é consequência direta da elevada produção global de polímeros e da sua persistência ambiental. Micro e nanoplásticos podem conter aditivos industriais ou adsorver contaminantes ambientais, mas seu comportamento toxicológico difere significativamente de substâncias químicas dissolvidas, tornando complexos os estudos sobre absorção, distribuição e metabolismo.

    A OMS (2022) destaca que as partículas menores que 10 µm apresentam maior relevância toxicológica por seu potencial de atravessar barreiras biológicas. Paradoxalmente, essas são justamente as partículas para as quais os métodos analíticos atuais são insuficientes. A EFSA (2016) chega às mesmas conclusões ao afirmar que: (i) faltam métodos padronizados de detecção; (ii) faltam dados expressos em massa (mais úteis do que números de partículas); e (iii) praticamente não existem dados confiáveis sobre nanoplásticos.

    Essas limitações explicam a grande incerteza nas estimativas de exposição humana e porque organismos internacionais classificam a confiabilidade das evidências como “muito baixa”. Embora microplásticos sejam detectados em vários alimentos, o pescado tem recebido atenção desproporcional. Muitas reportagens sugerem riscos diretos ao consumidor apenas pela presença de partículas nos organismos aquáticos, mas esse tipo de interpretação ignora diferenças metodológicas importantes e o fato de que a maior parte da exposição humana provém da poeira e do ar ambiente, e não da dieta.

    PERIGOS POTENCIAIS PARA O PESCADO

    Organismos aquáticos podem ingerir microplásticos presentes na água ou nos sedimentos. Moluscos filtradores, como ostras e mexilhões, tendem a acumular mais partículas, mas os níveis encontrados em condições ambientais reais são baixos e variam amplamente conforme região e método de análise. Em peixes e crustáceos, a presença de partículas é quase sempre restrita ao trato gastrointestinal — que não é consumido — sendo rara a detecção no tecido muscular.

    Além disso, muitos organismos possuem mecanismos naturais de depuração, eliminando parte das partículas quando mantidos em água limpa, processo já amplamente utilizado comercialmente na depuração de bivalves.

    Quanto ao transporte de contaminantes químicos, a EFSA (2016) estima que a contribuição dos microplásticos para a ingestão de compostos como bifenilas policloradas (PCBs), hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAHs) e dioxinas é inferior a 0,1% da ingestão total diária — ou seja, toxicologicamente insignificante.

    A OMS (2022) também discute a presença de biofilmes e microrganismos aderidos aos microplásticos, incluindo genes de resistência antimicrobiana, mas destaca que, nas concentrações observadas atualmente no ambiente, não há evidências de risco direto ao consumidor.

    RISCOS TOXICOLÓGICOS ASSOCIADOS AOS PLÁSTICOS

    Os riscos toxicológicos associados aos microplásticos podem ser classificados em dois grupos principais:

    Riscos físicos estão relacionados à presença das partículas no trato gastrointestinal. No entanto, estudos que observaram efeitos adversos utilizaram concentrações extremamente altas de microplásticos, muito superiores às encontradas no ambiente ou em qualquer cenário realista de consumo humano. Isso indica que, nas condições de exposição típicas, os riscos físicos são muito baixos.

    Riscos químicos envolvem a presença de aditivos nos plásticos, como plastificantes e estabilizantes, que podem ser ingeridos junto com as partículas. No entanto, as quantidades de plástico ingeridas com o consumo de pescado são muito pequenas e não representam uma preocupação toxicológica. Henry et al. (2025) estimam que uma refeição típica de moluscos bivalves forneça cerca de 0,007 mg de plástico, uma quantidade ínfima quando comparada a aditivos alimentares como o dióxido de titânio ou dióxido de silício, que em alguns países podem ser consumidos em quantidades que chegam a dezenas de miligramas por dia. Microplásticos representam apenas 0,001% desse total.

    A EFSA (2016) também fez estimativas que variam entre 7 µg a 53 mg de microplásticos por dia, em cenários extremos, mas enfatizou que essas estimativas são altamente incertas, pois se baseiam principalmente em partículas grandes (~150 µm), com dados insuficientes sobre partículas menores ou nanoplásticos.

    A OMS e a EFSA destacam que não há evidências de efeitos adversos para a saúde humana decorrentes da ingestão ou inalação de microplásticos, especialmente em concentrações típicas. A maior incerteza científica recai sobre partículas < 10 µm, e atualmente não é possível realizar uma avaliação quantitativa de risco robusta para essas partículas.

    Portanto, a literatura toxicológica é unânime ao afirmar que a exposição realista a microplásticos, especialmente por meio da alimentação, é muito baixa e não representa um risco significativo quando comparada a outras fontes de exposição, como poeira doméstica e ar ambiente.

    PERIGOS POTENCIAIS PARA O CONSUMIDOR DE PESCADO

    A ideia de que o pescado seria a principal fonte de ingestão de microplásticos não encontra respaldo científico. Estimativas da EFSA (2016) indicam que crustáceos e moluscos contribuem com uma quantidade muito pequena para a exposição humana, estimada entre 1 e 10 partículas plásticas por pessoa ao dia.

    Em contraste, as principais fontes de microplásticos são a água potável, a poeira doméstica e o ar ambiente, com a água potável podendo fornecer entre 10 e 100 partículas diárias, e a poeira (ou ar ambiente) elevando esse número para 100 a 1.000 partículas — sendo esta última a principal via de ingestão humana. Além disso, a maior parte das partículas ingeridas não é absorvida pelo organismo e é eliminada rapidamente.

    A OMS (2022) e a EFSA (2016) concluem que não há evidências de efeitos adversos à saúde humana decorrentes da ingestão ou inalação de microplásticos nas concentrações típicas encontradas na população geral. Embora a preocupação com o tema tenha sido amplificada por campanhas alarmistas, essa percepção exagerada tem levado algumas pessoas a reduzirem ou evitar o consumo de pescado. Esse comportamento pode resultar em perdas nutricionais importantes, considerando o papel nutricional do pescado.

    Portanto, a preocupação com o pescado como fonte significativa de microplásticos está amplamente superestimada, e a redução de seu consumo pode prejudicar a saúde do consumidor, especialmente pela falta de nutrientes essenciais oriundos do pescado.

    FORMAS DE MITIGAÇÃO

    A mitigação da poluição por plásticos requer ações coordenadas e sistêmicas que abrangem desde a produção e o descarte de materiais até as etapas de cultivo, processamento e consumo de alimentos. No âmbito ambiental, é essencial prevenir a entrada de plásticos nos ecossistemas aquáticos por meio da melhoria da gestão de resíduos, do controle das fontes de fragmentação associadas à pesca, ao transporte marítimo e à aquicultura, bem como do monitoramento contínuo das áreas de produção para orientar medidas preventivas.

    Ao longo da cadeia produtiva de alimentos, especialmente de produtos aquícolas, boas práticas de processamento são fundamentais para evitar contaminações cruzadas — frequentemente mais relevantes do que a própria contaminação ambiental. A depuração de bivalves permanece como uma estratégia eficaz para reduzir partículas ingeridas naturalmente, enquanto a adoção de materiais mais resistentes e menos fragmentáveis nos sistemas de cultivo e processamento contribui para minimizar a liberação de microplásticos durante a produção.

    No âmbito científico, torna-se imprescindível avançar na padronização de métodos analíticos, garantir rigor no controle da contaminação laboratorial e direcionar o monitoramento para partículas menores que 10 µm, além de incentivar a geração de dados expressos em massa, especialmente para nanoplásticos. Estudos que considerem cenários realistas de exposição e absorção são igualmente necessários para aprimorar a avaliação de riscos.

    Por fim, recomenda-se uma comunicação de risco mais equilibrada, rigorosa e bem contextualizada, de modo a evitar interpretações alarmistas e a orientar decisões informadas, preservando a confiança do consumidor e promovendo práticas eficazes de mitigação ao longo de toda a cadeia produtiva.

    CONCLUSÃO

    A poluição plástica é um desafio ambiental global, mas isso não implica que o consumo de pescado seja uma via significativa de exposição humana a micro ou nanoplásticos. As evidências científicas atuais mostram que o pescado contribui de maneira muito limitada para a ingestão total dessas partículas, sendo superado por fontes cotidianas, como poeira doméstica, ar ambiente e alimentos processados.

    A OMS (2022) e a EFSA (2016) reforçam que a principal limitação está na falta de dados confiáveis — especialmente para partículas < 10 µm — o que exige cautela, mas não justifica abordagens alarmistas. A ausência atual de evidências de risco não deve ser interpretada como ausência absoluta de risco, mas como ausência de dados suficientes para estimá-lo quantitativamente.

    Embora estratégias de mitigação sejam importantes, elas devem ser inseridas em um contexto mais amplo, que considere o conjunto das fontes de microplásticos, e não apenas os produtos marinhos.

    Uma abordagem integrada, aliada a uma comunicação clara, responsável, e baseada em ciência é fundamental para orientar tanto políticas públicas quanto escolhas individuais, garantindo que decisões não sejam influenciadas por percepções distorcidas ou alarmistas.

    Imagem ilustrativa para a coluna Tecnologia do Pescado
    Foto ilustrativa da coluna Tecnologia do Pescado. Foto: Alex Augusto Gonçalves

    Informações adicionais em:

    Henry, TB. et al. Examining misconceptions about plastic-particle exposure from ingestion of seafood and risk to human health. Environmental Science & Technology Letters, 12: 1453-1461, 2025.

    EFSA – European Food Safety Authority. Presence of microplastics and nanoplastics in food, with particular focus on seafood. EFSA Journal, 14(6): 4501, 2016.

    WHO – World Health Organization. Dietary and inhalation exposure to nano- and microplastic particles and potential implications for human health. Geneva: WHO, Nutrition and Food Safety (NFS), Standards & Scientific Advice on Food Nutrition (SSA), 154 p., 2022.

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