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    Peso líquido do pescado: dúvidas e esclarecimentos

    Nos últimos anos, têm se multiplicado nas redes sociais, reclamações e dúvidas de consumidores sobre o excesso de gelo ou de água presente no pescado comercializado. Esse é um tema relevante, pois envolve diretamente a forma como o produto é pesado, rotulado e oferecido ao consumidor.
    Mistura de frutos do mar com excesso de gelo solto evidenciando glaciamento elevado
    Gelo desprendido indica aplicação excessiva, que não deve compor o peso líquido do produto.
    Com base nesse cenário, esta coluna tem o objetivo de trazer informações claras e fundamentadas sobre o conceito de peso líquido do pescado, apresentar os requisitos legais e práticos relacionados ao tema e oferecer esclarecimentos que ajudem a reduzir dúvidas e a promover uma comunicação mais transparente entre indústria, fiscalização e consumidores.

    Mas afinal, o que significa peso líquido do pescado?

    Peixes congelados em blocos de gelo ilustrando o glaciamento aplicado ao pescado

    O peso real do pescado — chamado de “peso líquido” — é um dos pontos que mais gera dúvidas tanto para consumidores quanto para profissionais da indústria e da fiscalização, e corresponde à quantidade efetiva de pescado, desconsiderando elementos que não fazem parte do produto consumível, como: a água incorporada no processo de glaciamento (se congelado), o líquido de cobertura nas conservas (produtos enlatados), e a própria embalagem, sendo esse o valor que deve constar na rotulagem para permitir a comparação justa entre produtos similares. Em outras palavras, trata-se apenas do peso do pescado pronto para consumo, sem acréscimos artificiais.

    A correta declaração do peso líquido é fundamental por três razões principais:

    • Transparência – garante que o consumidor saiba exatamente a quantidade de pescado que está adquirindo;
    • Proteção ao consumidor – evita práticas enganosas e impede que o cliente pague por gelo como se fosse peixe;
    • Conformidade legal – assegura o cumprimento das normas estabelecidas por órgãos reguladores como MAPA, ANVISA e INMETRO.

    Nos produtos congelados, a camada de gelo do glaciamento é considerada parte do material de embalagem e, portanto, deve ser excluído do conteúdo líquido declarado, e dessa forma, os produtos glaciados devem conter informações claras sobre o conteúdo líquido, o peso da embalagem (tara) e o peso da camada de gelo aplicada, garantindo a transparência e a proteção do consumidor.

    • Peso bruto: inclui o produto + glaciamento + embalagem (para produtos congelados).
    • Peso bruto: inclui o produto + líquido de cobertura + embalagem (para produtos enlatados).
    • Peso líquido: corresponde exclusivamente ao pescado, após a retirada do excesso de água ou gelo (para produtos congelados), ou líquido de cobertura (para os enlatados).
    • Peso drenado: aplicável principalmente ao pescado enlatado, quando se considera apenas o produto sólido, após escorrimento do líquido de cobertura.

    Ressalta-se que se os produtos forem pré-medidos ou pré-embalados com conteúdo nominal variável, a indicação do peso líquido pode ser feita no ponto de venda, por meio de etiqueta, desde que o fabricante informe o peso da embalagem e o peso do glaciamento, conforme regulamentação do INMETRO.

    No entanto, aqui temos outra dificuldade, no que tange a garantia de que a informação esteja clara, precisa e correta sobre o peso líquido do produto fracionado para o consumidor. O ponto de venda que fracionar o produto deverá buscar junto ao fornecedor informações sobre o percentual de glaciamento, para que possa colocar na nova embalagem o peso líquido correto (peso compensado, para evitar divergência de peso), descontado do glaciamento – mas será que essa prática tem sido feita de forma correta?

    Balança comparando peso congelado com peso glaciado para representar peso compensado
    No fracionamento, o peso líquido deve descontar o glaciamento conforme regulamentos do Inmetro. Alternativamente, pode-se adotar o peso compensado, ou seja, adicionar produto extra na embalagem de modo a compensar o percentual de glaciamento que excede o limite permitido.

    O que diz a legislação?

    No tocante à legislação, muitas dúvidas vêm surgindo principalmente pela subjetividade de algumas definições, ou a falta de conhecimento para interpretá-las, e até mesmo pelas inúmeras alterações que são feitas ao longo dos anos, e que às vezes não são amplamente divulgadas, que somado vem causando perdas econômicas.

    Quanto as definições, estas deveriam ser a mais claras e objetivas, uma vez que, em alguns casos a subjetividade torna-se um problema. Alguns termos técnicos nem sempre são conhecidos, como exemplo o “gelo fundente” (temperatura acima de 0°C em que o gelo, no estado sólido, está passando para o estado líquido); “temperatura de cristalização máxima” (limite superior da faixa de formação de cristais de gelo durante o congelamento (de -1°C a -5°C), ou seja, o ponto mais alto em que a água nos tecidos inicia o processo de formação de cristais de gelo), dentre outras.

    Ainda há o entendimento dentro da indústria de que, por exemplo, o camarão resfriado seria apenas para o camarão cru mantido sob refrigeração e não aquele que foi parcialmente cozido ou cozido, como consta no Art. 2° da IN (SDA/MAPA) 23/2019.

    Classificação Descrição
    CAMARÃO FRESCO é o produto cru, conservado pela ação do gelo ou por meio de métodos de conservação de efeito similar, mantido em temperaturas próximas à do gelo fundente.
    CAMARÃO RESFRIADO é o produto cru, parcialmente cozido ou cozido, embalado e mantido em temperatura de refrigeração.
    CAMARÃO CONGELADO é o produto cru, parcialmente cozido ou cozido, obtido de matéria-prima fresca, resfriada ou congelada, submetido a processo de congelamento rápido, de forma que ultrapasse rapidamente os limites de temperatura de cristalização.
    CAMARÃO COZIDO é o produto resfriado ou congelado que foi submetido a processo de aquecimento que alcance em seu interior temperatura entre 65-70°C.
    CAMARÃO PARCIALMENTE COZIDO é o produto resfriado ou congelado que foi submetido a processo de aquecimento que não alcance em seu interior a temperatura mínima de 65°C.
    CAMARÃO DESCONGELADO é o produto cru, que foi inicialmente congelado e submetido a um processo específico de elevação de temperatura acima do ponto de congelamento e mantido em temperaturas próximas à do gelo fundente.
    PROCESSO DE DESCONGELAMENTO O camarão, durante o processo de descongelamento, não pode ultrapassar a temperatura de 4°C, devendo ser suficiente para o atendimento dos critérios microbiológicos.
    CAMARÃO FRESCO, RESFRIADO E DESCONGELADO Deve ser mantido à temperatura entre 0 e 4°C
    CAMARÃO CONGELADO Deve ser mantido à temperatura não superior a -18°C

     

    A seguir abordaremos outras terminologias que também vem causando dúvidas e confusão:

    Termo Descrição
    GLACIAMENTO processo que envolve a aplicação de uma camada fina de gelo na superfície do pescado já congelado, formando uma barreira protetora e eficiente contra a oxidação, queimadura pelo frio, e perda de umidade por sublimação durante o armazenamento.
    PESO GLACIADO peso do produto congelado + peso do gelo incorporado no processo de glaciamento.
    DESGLACIAMENTO processo de remoção da camada de gelo da superfície do produto congelado. Neste processo, o produto congelado não deve ser descongelado.
    DESCONGELAMENTO processo de passagem do estado sólido para o estado natural, onde há perda de líquido natural. O percentual de líquido perdido dependerá da qualidade da matéria prima, do processo de congelamento, ou seja, quanto menor a velocidade de congelamento, maior a perda de água no descongelamento, devido à formação de cristais de gelo.
    PESO LÍQUIDO peso desglaciado (excluindo o peso da embalagem) – apenas o peso do produto congelado.
    PESO DESGLACIADO peso do produto congelado após a remoção da camada de glaciamento. O peso desglaciado não pode ser confundido com peso descongelado ou peso líquido drenado.
    PESO DESCONGELADO Peso do produto após o desglaciamento e descongelamento (excluindo o peso da embalagem). Aqui surge uma grande dúvida e descontentamento do consumidor de pescado congelado, pois o peso descongelado sempre é menor que o peso líquido declarado na embalagem. De fato, como já mencionado, no descongelamento há perda do glaciamento + água natural do pescado, e por isso há uma diferença, sem mencionar que o % de perda de água no descongelamento vai estar relacionado ao tipo de congelamento inicial (maior perda de água no congelamento lento) e no tipo de descongelamento que o consumidor utilizou.

     

    Peixes A–D: fresco, congelado com glaciamento fino, glaciado espesso e descongelado com gotejamento
    (A) Peixe fresco; (B) Peixe congelado; (C) Peixe congelado e glaciado; (D) Peixe descongelado.

     

    Desglaciado ou descongelado? – Dúvida recorrente nas redes sociais

    Importante destacar que se o consumidor leva para casa um produto congelado e glaciado, e o descongela e pesa, este não deve ser considerado o peso líquido, como muito temos visto nas redes sociais. Cabe lembrar que as perdas de água no pescado após o descongelamento são um dos principais fatores de insatisfação do consumidor e também impactam a qualidade sensorial e o rendimento industrial. Essas perdas acontecem por uma combinação de fatores relacionados à matéria-prima, ao processo de congelamento e ao descongelamento. As perdas de água no pescado descongelado resultam principalmente do dano estrutural causado pelos cristais de gelo formados no congelamento (lento) e recristalizados durante o armazenamento (variação de temperatura no armazenamento), além das condições inadequadas de descongelamento (em água, na temperatura ambiente, na temperatura de refrigeração, no micro-ondas, ao sol etc.). Quanto mais rápido e controlado for o congelamento e descongelamento, menores serão essas perdas.

    Tabela com causas da perda de água no pescado e efeitos no produto: estrutura muscular, velocidade e método de congelamento, armazenamento congelado, descongelamento, qualidade da matéria-prima e fatores tecnológicos.
    Resumo dos fatores que aumentam a exsudação e impactam o peso líquido e o rendimento do pescado.

    O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) publicou a Portaria N° 227/2021 (revoga a Portaria Inmetro Nº 284/2019) que aprova o Regulamento Técnico Metrológico consolidado que estabelece os critérios para a indicação do conteúdo nominal de pescado congelado pré-embalado, com conteúdo nominal desigual, onde aplicam-se os termos constantes do Vocabulário Internacional de Termos de Metrologia Legal, e do Vocabulário Internacional de Metrologia – Conceitos fundamentais e gerais e termos associados, apresentados a seguir.

    Termo Definição
    MERCADORIA PRÉ-EMBALADA todo produto embalado e medido sem a presença do consumidor e em condições de comercialização.
    CONTEÚDO NOMINAL quantidade do produto declarada na rotulagem da embalagem, excluindo a própria embalagem e qualquer outro objeto acondicionado com esse produto.
    CONTEÚDO NOMINAL DESIGUAL quantidade do produto que não tem conteúdo nominal igual para todas as unidades de um mesmo produto.

     

    Quanto a indicação quantitativa do conteúdo nominal o Regulamento Técnico Metrológico define:

    • O pescado congelado pré-embalados com conteúdo nominal desigual devem, obrigatoriamente,
      ostentar a indicação do conteúdo nominal no ponto de venda ao consumidor final;
    • O conteúdo nominal declarado deve corresponder ao peso do produto sem a camada de glaciamento.
    • A indicação do conteúdo nominal pode ser realizada mediante a utilização de etiqueta adesiva no ponto de
      venda ao consumidor final. A etiqueta adesiva deve estar em conformidade com a Portaria Inmetro nº 201,
      de 30 de abril de 2021 (dispõe sobre a indicação quantitativa do peso líquido de mercadorias pré-embaladas,
      acondicionadas e/ou etiquetadas no ponto de venda), ou sua substitutiva.
    • Para fins de viabilização do conteúdo nominal declarado, o fabricante deve informar na embalagem do
      produto em comercialização o peso da própria embalagem e o peso do glaciamento, se houver. As
      indicações devem ser precedidas das expressões: “Peso da embalagem” (ou tara) e
      Peso do glaciamento“. O peso da tara (peso da embalagem) e o peso do glaciamento não poderão ser
      superiores ao declarado.
    • Quando a indicação do conteúdo nominal for realizada pelo ponto de venda por meio de etiqueta adesiva,
      a responsabilidade pelo conteúdo, para fins de aplicação da legislação metrológica, será do próprio ponto de venda.

    Ressaltamos que é preciso sempre consultar a legislação vigente visando um produto em específico, pois cada produto possui seu regulamento técnico bem como suas particularidades, e muitas vezes a legislação passa por inúmeras alterações e o produtor deve ficar atento par anão perder nenhuma informação importante, e ser penalizado por falta de atenção.

    Conclusão

    O tema do peso líquido do pescado envolve muito mais do que uma simples informação de rótulo: trata-se de um ponto central para garantir transparência, conformidade legal e confiança entre indústria, fiscalização e consumidores. A clareza na definição de conceitos como peso bruto, peso líquido, peso drenado, glaciamento e descongelamento é essencial para evitar equívocos e prevenir práticas comerciais que possam induzir o consumidor ao erro.

    A legislação brasileira já estabelece diretrizes para assegurar que o peso líquido declarado corresponda à quantidade real de pescado, descontados embalagem e glaciamento. No entanto, a aplicação prática dessas normas ainda encontra desafios, como a interpretação de termos técnicos, a atualização constante das regulamentações e a necessidade de maior rigor no ponto de venda, especialmente quando há fracionamento e reetiquetagem de produtos.

    Assim, a correta indicação do peso líquido deve ser entendida não apenas como uma obrigação legal, mas como uma prática que agrega valor à cadeia produtiva, fortalece a credibilidade das marcas e garante ao consumidor o direito de receber exatamente aquilo pelo que pagou. Investir em boas práticas, capacitação e fiscalização eficiente é, portanto, fundamental para que o setor avance de forma ética, sustentável e alinhada às expectativas da sociedade.

    Referências

    • Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Gabinete da Ministra. Instrução Normativa Nº 23, de 20 de agosto de 2019, aprova o Regulamento Técnico que fixa a identidade e os requisitos de qualidade que devem apresentar o camarão fresco, o camarão resfriado, o camarão congelado, o camarão descongelado, o camarão parcialmente cozido e o camarão cozido, na forma desta Instrução Normativa e de seus Anexos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 28/08/2019, Edição 166, Seção 1, p. 1. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-n-23-de-20-de-agosto-de-2019-213001623
    • Brasil. Ministério da Economia, Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Portaria Nº 227, de 17 de maio de 2021, que aprova o Regulamento Técnico Metrológico consolidado que estabelece os critérios para a indicação do conteúdo nominal de pescados congelados pré-embalados, com conteúdo nominal desigual. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 18/05/2021, Edição 92, Seção 1, Página 73. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-227-de-17-de-maio-de-2021-320343126
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