
No entanto, quando utilizados de forma adequada e prudente, os fosfatos preservam os sucos naturais, reidratam a água perdida durante o período post-mortem, resultando em produtos mais macios e suculentos, além de não comprometer o sabor. Nesse sentido, ter uma legislação específica e aprovada para a aplicação de fosfatos no pescado é essencial. O objetivo não seria apenas melhorar a qualidade dos produtos fornecidos aos consumidores, mas também reduzir as perdas econômicas no processamento (como minimizar perdas nas linhas de produção) e contribuir para a justa “luta” contra a fraude, uma vez que qualquer produto não regulamentado tem seus riscos aumentados e o seu controle comprometido.
Lembrando que o pescado naturalmente contém fosfatos e, portanto, fósforo. Detectar o nível de polifosfatos adicionados apenas através da medição de fosfato ou fósforo total é desafiador porque os níveis naturais variam amplamente. Como não é possível determinar o conteúdo natural de fosfato de uma amostra antes do processamento, é crucial considerar as variações em amostras não processadas. Isso garante que a quantidade calculada de fosfatos adicionados não se confunda com os naturais. Os resultados podem então ser relatados como “pelo menos uma quantidade específica de fosfatos foi adicionada ao produto”, assegurando a qualidade dos resultados. Esse problema surge porque a legislação geralmente se concentra na regulamentação da quantidade de fosfatos adicionados, em vez do conteúdo total de fosfato que um produto pode ter, incluindo o fosfato natural.
Internacionalmente, o controle do uso de fosfatos aplicados ao pescado vem sendo regulado pelo teor de fósforo total (P) expresso como pentóxido de fósforo (P2O5) e o limite varia de 1-5 g P2O5/kg, dependendo de sua aplicação. Porém, é importante mencionar que a legislação brasileira limita um conteúdo máximo de fósforo total de 5 g de P2O5/kg em peixes congelados, e apenas no revestimento externo de gelo (glazing) para as demais espécies, conforme ilustrado a seguir.
LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL E BRASILEIRA SOBRE LIMITES DE FOSFATOS | |
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CODEX ALIMENTARIUS (Codex, 2014; 2023) |
Peixes congelados, filés de peixe e produtos de peixe, incluindo moluscos, crustáceos e equinodermos (2,200 mg P/kg = 5,038 mg P2O5 /kg = 5 g P2O5 / kg) |
EUROPEAN UNION (Commission Regulation, 2011) |
Produtos enlatados de crustáceos; surimi e produtos similares (1 g P2O5 / kg); Peixes não processados; moluscos e crustáceos não processados; pasta de peixe e crustáceos e em moluscos e crustáceos processados congelados e ultracongelados (5 g P2O5 / kg). |
US CODE OF FEDERAL REGULATIONS (USCFR, 2023) |
Substância GRAS (Geralmente Reconhecida como Segura) quando usada de acordo com as Boas Práticas de Fabricação. |
HEALTH CANADA (HC, 2023) |
Mariscos congelados; Camarão cozido congelado; Caranguejo congelado; Filés de peixe congelados; Lagosta congelada; Peixe moído congelado; Camarão congelado; Lula congelada – Para reduzir as perdas de processamento e pela exsudação ao descongelar (em combinação com outros fosfatos permitidos por esta lista para o mesmo propósito de uso, o fosfato total adicionado não deve exceder 0,5% (5 g P2O5 / kg), calculado como fosfato de sódio. |
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA (Brazil, 2017; 2019a; 2019b; 2024) |
RTIQ Peixe congelado – o fósforo total deve ser no máximo 5 g P2O5/kg de tecido muscular;
RTIQ Camarão – O glaciamento consiste na aplicação de água, adicionada ou não de aditivos, sobre a superfície do camarão congelado, formando-se uma camada protetora de gelo para evitar a oxidação e desidratação; RTIQ Lagosta – Revestimento externo (glaciamento) de peixe congelado, camarão congelado, lagosta congelada para evitar rachaduras do glaciamento (0,5%; 5 g P2O5 / kg) RTIQ Moluscos cefalópodes – Quando se tratar de produto congelado, com uso de aditivos na água de glaciamento, deve constar na rotulagem a expressão: “Contém [função principal] e [nome completo do aditivo], na água de glaciamento”. |
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (Brazil, 2019) |
Na categoria de revestimento externo de pescado congelado (0,5%; 5 g P2O5 / kg) |
É importante evidenciar a variabilidade nos níveis de fósforo em peixes crus, onde foi realizada uma revisão em 132 bancos de dados internacionais sobre o valor nutricional dos alimentos. Entre esses, 11 bancos de dados (Composición de Alimentos Española; European Food Safety Authority; Food Nutrition Canada; INCAP – Guatemala; Italy Food Composition; Japan Food Composition; New Zealand – Food Composition; Norwegian Food Composition; Portfir – Portugal; UK Nutrient analysis of fish and fish products; US FDA) forneceram informações sobre os níveis de fósforo (que foram transformados em P2O5), revelando variação significativa nos 654 valores obtidos (variando de 1,90 a 27,48 g de P2O5/kg). Notavelmente, aproximadamente 45% desses valores excederam o valor limitado em 5 g de P2O5/kg, enfatizando o desafio técnico em estabelecer um ponto de corte definitivo ou limite de fósforo para a categoria “pescado”.
Com base nessas informações, fica evidente que os aditivos fosfatos de grau alimentício contribuem significativamente para a qualidade, estabilidade e segurança dos alimentos, especialmente no pescado. Sendo amplamente aceitos globalmente, seu uso é regulado tanto pelas Boas Práticas de Fabricação quanto pelas regulamentações locais. No entanto, cumprir as restrições estabelecidas pelas autoridades brasileiras apresenta desafios significativos para os inspetores e os players da indústria (importadores ou processadores).
Estabelecer um padrão universal para os níveis de fosfato, pH ou sódio para o pescado é tecnicamente complexo, destacando as variações naturais. Curiosamente, exceder esses limites no Brasil pode não representar riscos à saúde, como observado em outros alimentos, mas equilibrar as medidas regulatórias com a natureza dinâmica da composição dos alimentos continua sendo um desafio persistente para garantir a segurança do consumidor e a conformidade da indústria.
Finalmente, a cooperação e o bom senso são cruciais para uma colaboração bem-sucedida entre a indústria e os órgãos reguladores sobre parâmetros físico-químicos para o pescado. Exceder os limites de fósforo ou sódio estabelecidos pelas autoridades brasileiras pode não necessariamente prejudicar a saúde, já que muitos alimentos no mercado ultrapassam os limites recomendados sem serem removidos ou proibidos.