Por que isso importa
A mensagem central é pragmática: entender como a água altera o comportamento ajuda a ajustar o manejo e a melhorar bem-estar e produtividade. A revisão também ressalta que monitorar comportamento ainda é desafiador e custoso, mas a tendência é crescer com novas tecnologias.
Principais achados para o manejo
- Temperatura. Mudanças na temperatura influenciam diretamente o metabolismo dos peixes e, portanto, seus comportamentos. Em condições abaixo da faixa ideal, a atividade cai, o tempo de reação aumenta e o consumo de alimento diminui. Já acima do limite, a aceleração metabólica gera maior demanda de oxigênio, que pode levar a estresse, competição mais intensa e até falhas no cortejo e na reprodução. A revisão mostra que tanto extremos frios quanto quentes comprometem a coesão do cardume, o desempenho de fuga e a eficiência alimentar, impactando o crescimento e o bem-estar.
Impactos da temperatura da água em natação, cardumes, comportamento agressivo, predação e reprodução de peixes. Fonte: Zhang et al. (2025) - Turbidez (medida em NTU, nephelometric turbidity units). Mais partículas em suspensão reduzem a visibilidade. Isso derruba o desempenho de peixes que dependem de visão para capturar alimento, afeta cortejo e diminui a coesão do cardume. Em água a 250 NTU, apenas 15% dos black bass capturaram presas, contra 100% em 0 NTU. Em condições turvas, grupos ficam menores e decisões tendem a ser mais individualistas — o que pode piorar a distribuição de alimento e a “segurança no número”.
- Ponto de equilíbrio da turbidez. Nem sempre “mais claro” é melhor: larvas de anchoveta-japonesa tiveram maior sobrevivência sob alta turbidez (300 mg/L de caulim) por “cobertura” contra predadores. O habitat define se esse “manto” turvo protege ou atrapalha.
Consequências da turbidez da água na captura de alimento, cortejo, adaptação, coesão dos cardumes e predação de peixes. Fonte: Zhang et al. (2025)
- Ponto de equilíbrio da turbidez. Nem sempre “mais claro” é melhor: larvas de anchoveta-japonesa tiveram maior sobrevivência sob alta turbidez (300 mg/L de caulim) por “cobertura” contra predadores. O habitat define se esse “manto” turvo protege ou atrapalha.
- Oxigênio dissolvido (DO). Em hipoxia (baixa de oxigênio), peixes seguem duas estratégias: (1) reduzem atividade e adotam a natação “burst-and-coast” (sprints seguidos de planar) para economizar energia; (2) aumentam a atividade para buscar áreas mais oxigenadas, inclusive com ASR (respiração na superfície da água). Exemplos incluem tainha-dourada elevando a ventilação e iniciando ASR a ~15% de saturação, e Oreochromis niloticus iniciando ASR quando a pressão parcial de O₂ cai abaixo de 2,1 kPa. Cada estratégia tem trade-offs e exige modulação fina do manejo.
- Hipoxia e predação. A falta de oxigênio prejudica respostas de fuga que dependem de cérebro e sentidos, como responsividade e direção no “fast-start” (arranque). Em robalo-europeu, abaixo de ~50% de saturação de O₂, as respostas de evitar/abordar ficaram aleatórias. A recuperação pós-fuga é aeróbia e limitada em hipoxia, reduzindo repetições.
Alterações comportamentais e fisiológicas em peixes expostos à amônia, incluindo redução de apetite, atividade, agressividade e prejuízo neural. Fonte: Zhang et al. (2025)
- Hipoxia e predação. A falta de oxigênio prejudica respostas de fuga que dependem de cérebro e sentidos, como responsividade e direção no “fast-start” (arranque). Em robalo-europeu, abaixo de ~50% de saturação de O₂, as respostas de evitar/abordar ficaram aleatórias. A recuperação pós-fuga é aeróbia e limitada em hipoxia, reduzindo repetições.
- Salinidade (psu, practical salinity units). Variações impõem custo osmótico. Para manter o equilíbrio iônico (canais, bombas e aquaporinas nas brânquias/intestino), os peixes realocam energia e tendem a reduzir atividade, o que afeta natação, predação/antipredação e reprodução. Quando a salinidade excede a tolerância, a desidratação e a queda de performance podem impedir a migração para zonas favoráveis.
- Salinidade e olfato. Além da osmorregulação, a salinidade pode “entupir” o sistema olfativo (receptores e próprios sinais químicos), reduzindo a percepção de riscos e outros sinais ambientais — com impactos diretos no comportamento antipredatório.
Alterações comportamentais de peixes sob estresse por salinidade, incluindo desequilíbrio osmótico e redução da função olfativa. Fonte: Zhang et al. (2025)
- Salinidade e olfato. Além da osmorregulação, a salinidade pode “entupir” o sistema olfativo (receptores e próprios sinais químicos), reduzindo a percepção de riscos e outros sinais ambientais — com impactos diretos no comportamento antipredatório.
- pH. Água ácida ou alcalina fora da faixa ótima altera desempenho de nado e, sobretudo, sentidos químicos. Em água acidificada, ovos/larvas de peixe-palhaço perderam a capacidade de distinguir odor de predador x não-predador, aumentando o risco. O pH também muda o paladar (ligação de aminoácidos a receptores), eleva hormônios intestinais que freiam o apetite e reduz a ingestão — efeito observado, por exemplo, em salmão do Atlântico e em kingfish criado em RAS.
- Microplásticos. A ingestão dessas partículas altera padrões de natação, reduz atividade exploratória e provoca respostas ligadas à ansiedade. Além disso, podem acumular no trato digestivo, afetando a eficiência alimentar e até a capacidade de resposta a predadores. O estudo aponta que a presença crescente de microplásticos nos ambientes aquícolas representa risco duplo: interfere no bem-estar e compromete a performance produtiva.
Impactos da ingestão de microplásticos no comportamento, olfato, natação e organização social dos peixes. Fonte: Zhang et al. (2025) -
Amônia (NH₃/NH₄⁺). A amônia não ionizada (NH₃) é tóxica para os peixes mesmo em baixas concentrações. Ela altera o comportamento de natação, reduz consumo de alimento e aumenta a ocorrência de agressividade e estresse. A revisão destaca que, em condições de acúmulo, a amônia pode afetar interações sociais e a resposta a predadores, tornando os peixes mais vulneráveis e diminuindo sua eficiência alimentar.
Alterações comportamentais e fisiológicas em peixes expostos à amônia, incluindo redução de apetite, atividade, agressividade e prejuízo neural. Fonte: Zhang et al. (2025)
Para o produtor
- Monitore turbidez (NTU) e ajuste à espécie. Turbidez excessiva quebra cardumes e derruba a captura de alimento; pouca turbidez pode expor juvenis.
- Gerencie DO para evitar hipoxia e ASR (aquatic surface respiration — respiração na superfície). A hipoxia muda a estratégia de nado e prejudica respostas de fuga.
- Controle salinidade (psu). Variações cobram energia, reduzem atividade e podem “silenciar” o olfato, com efeitos em alimentação e defesa.
- Ajuste pH. Proteger olfato e paladar mantém respostas rápidas a alimento e predadores e sustenta a taxa de alimentação.
A revisão conclui que integrar o “termômetro comportamental” ao manejo hídrico é caminho para uma aquicultura mais eficiente e com mais bem-estar.