Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) identificaram 44 espécies endêmicas de peixes recifais em três ilhas remotas do Oceano Atlântico. Duas dessas espécies provavelmente surgiram antes mesmo da formação da Ilha de Ascenção, há cerca de um milhão de anos.
O artigo que descreve essa descoberta foi publicado na revista científica britânica Proceedings of the Royal Society B. Além da UFSC, participaram cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU). A doutoranda Isadora Cord e o professor Sergio Floeter, ambos do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC, coordenaram a pesquisa.
Rotas evolutivas e dispersão marinha
A equipe analisou dados genéticos e filogenéticos de 88 espécies que habitam a Dorsal Mesoatlântica — uma cadeia de montanhas submarinas onde ficam as ilhas de São Pedro e São Paulo, Ascensão e Santa Helena.
Essas ilhas abrigam 169 espécies de peixes recifais. No entanto, 44 delas são espécies endêmicas de peixes recifais, ou seja, exclusivas dessas regiões.
O estudo revelou que aproximadamente 70% das espécies não endêmicas têm origem no Atlântico Oeste, especialmente no Brasil e no Caribe. Além disso, 36% migraram do Atlântico Leste. Com isso, os pesquisadores estimam que 11% dessas espécies podem ter vindo do Oceano Índico.
Essas informações revelam uma dinâmica complexa de dispersão marinha e conexões biogeográficas surpreendentes. Por esse motivo, compreender essas rotas ajuda a esclarecer padrões evolutivos importantes.
Adaptação ao isolamento oceânico
Além de estudar a origem das espécies, os cientistas examinaram as estratégias ecológicas que permitiram a sobrevivência em áreas isoladas. As espécies da Dorsal Mesoatlântica se destacam pelo grande porte e pela capacidade de viver em profundidades elevadas.
Elas produzem ovos pelágicos que flutuam por semanas nas correntes oceânicas. Em contrapartida, utilizam também algas, troncos e detritos flutuantes para se deslocar, o que favorece sua dispersão em mar aberto.
“As ilhas remotas funcionam como laboratórios naturais. Elas são hotspots de endemismo e nos ajudam a entender os mecanismos da evolução marinha”, explica Isadora Cord. “Mas também são ecossistemas frágeis. Perder uma espécie aqui é perder uma peça insubstituível do quebra-cabeça da biodiversidade.”
Novas fronteiras da ciência marinha
O estudo também destaca a importância dos recifes mesofóticos. Eles ficam entre 80 e 120 metros de profundidade e ainda permanecem pouco estudados por causa da sua localização profunda.
Segundo o professor Sergio Floeter, essas regiões representam a próxima fronteira da ciência marinha. Podem abrigar espécies ainda desconhecidas e padrões ecológicos singulares.
A presença dessas espécies endêmicas de peixes recifais reforça a singularidade da biodiversidade das ilhas da Dorsal Mesoatlântica. Além disso, o estudo evidencia a urgência de preservar esses ecossistemas remotos.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a California Academy of Sciences e o projeto europeu Mission Atlantic — vinculado ao programa Horizon 2020 — financiaram a pesquisa.