Mais uma colaboração com o engenheiro de aquicultura e pesquisador da Epagri, Bruno Corrêa da Silva
Um tema tão importante merecia uma “parte 2”, não é mesmo?
Bruno e eu vimos a necessidade de destrinchar o termo “anamnésia” que comentamos na coluna anterior, que na prática nada mais é do que: histórico de informações do cultivo desde o início até o momento da visita técnica, obtido através de uma entrevista com produtor, ou através das anotações no caderno de campo. O objetivo de se obter este histórico é investigar as possíveis causas da mortandade de peixes para o possível tratamento e a prevenção nas safras futuras.
É quase um trabalho de detetive, onde vamos juntando as peças do quebra-cabeças, organizando e criando as hipóteses da causa (ou causas) da perda de peixes de cultivo. Geralmente um diagnóstico de alguma mortalidade, seja ela ambiental ou infeciosa, é obtido por exclusão de possíveis fatores, para se chegar nas causas prováveis das mortalidades, e aí sim realizar alguma análise complementar para se obter o diagnóstico definitivo. Este trabalho de investigação pode até ser feito via WhatsApp, mas o ideal mesmo seria ir até a propriedade e fazer a anamnese juntamente com o piscicultor.
No momento da anamnese, além dos resultados parâmetros mais comuns, como o histórico dos parâmetros de qualidade de água, e os sinais clínicos dos peixes mortos e moribundos, gostaríamos de ressaltar mais dois importantes pontos que geralmente são subestimados pelo piscicultor:
a) O primeiro é o padrão de mortalidade ao longo do tempo, ou seja, quantos peixes estão morrendo ao longo dos dias? Esta informação pode fornecer pistas importantes sobre a natureza da doença. Por exemplo, uma alta mortalidade súbita de todos os peixes pode sugerir um problema ambiental como a falta de oxigênio dissolvido, por exemplo. Enquanto uma mortalidade mais lenta e constante pode indicar um outro problema ambiental como um alto nível dos nitrogenados (amônia e nitrito) ou uma doença infecciosa crônica;
b) Outro fator importante para avaliar na anamnese é o comportamento de alimentação do restante do lote. Quando há uma mortalidade isolada de um peixe ao longo do cultivo, mas o comportamento de alimentação do lote é bom, este pode ser um bom sinal, porém, a causa deve ser investigada para que um problema isolado não se torne um problema de todo lote. Já quando os peixes do viveiro diminuem a atividade de alimentação, indica que há um problema que deverá ser diagnosticado e resolvido com maior urgência.
A limitação no diagnóstico de peixes, e na obtenção de uma anamnese bem realizada (um bom histórico do cultivo), infelizmente se dá em grande parte das regiões de cultivo no Brasil pela pouca presença de técnicos especializados em piscicultura e piscicultores conhecedores do tema de saúde de peixes. A capacitação de técnicos e produtores no tema da sanidade deve ser uma prioridade para cadeia produtiva, com objetivo de conseguirmos melhorar e aumentar o número de diagnóstico dos problemas sanitários da piscicultura.
Portanto, seguem aqui algumas dicas de recomendações sobre como iniciar esta coleta de dados e informações que podem dar uma luz e direção no sentido da descoberta da causa ou gatinho da mortalidade.
Informações sobre o lote
- Tamanho do viveiro (m²);
- Profundidade média (m);
- Abastecimento do viveiro;
- Data do povoamento;
- Quantidade de peixes povoados;
- Origem dos alevinos;
- Peso médio inicial (g);
- Biomassa inicial (kg);
- Densidade atual (peixes/m²);
- Peso médio atual (g);
- Biomassa relativa (g/m²);
- Biomassa total estimada (kg);
- Arraçoamento diário total (kg);
- Frequência alimentar diária;
- Marca da ração;
- Granulometria da ração;
- Proteína bruta (%);
- Atividade de alimentação dos peixes;
- Comportamento;
- Uso de aeradores (potência e horário de acionamento);
- Histórico de problemas.
Análise dos Parâmetros de Qualidade da Água (meio da coluna d’água, próximo à saída de água)
- Data da análise;
- Horário da análise;
- Condições do tempo;
- Temperatura do ar (ºC);
- Temperatura da água (ºC);
- Oxigênio dissolvido (mg/l e % de saturação);
- Transparência (cm);
- Coloração da água;
- pH;
- Amônia total (mg/l);
- Nitrito (mg/l);
- Alcalinidade (mg/l);
- Dureza (mg/l).
Dados sobre a ocorrência
- Houve mortalidade? ( ) sim ( ) não
- Em caso de sim, quando começou a morrer?
- Quantos peixes morreram em cada um dos dias?
- Nos peixes mortos, foi observado algum sinal clínico?
- Há peixes com natação errática, moribumbo, na parte de cima da coluna d’água? ( ) sim ( ) não
- Caso sim, quais os sinais clínicos possíveis de observar?
- Algo de anormal nos órgãos internos?
- O piscicultor realizou alguma intervenção recentemente? Qual?
As informações acima já podem nos dar alguma direção para entender o porquê da mortalidade.
O ideal em caso de doenças infecciosas é a confirmação através de um diagnóstico especializado para possível tratamento; e principalmente, descobrir qual (ou quais) os gatilhos para trabalhar na raiz do problema, na prevenção.
Esperamos que estas informações possam ajudar de alguma forma os técnicos que atuam diretamente no campo com os piscicultores. Preparamos uma ficha de anamnese em pdf para download para auxiliar na investigação das mortalidades em campo.
Moral da história
O ideal é sempre nos anteciparmos às mortalidades monitorando de forma continuada: os parâmetros de qualidade de água, o comportamento dos peixes, assim como o desempenho zootécnico destes peixes. Os peixes nos mostram sinais de que há algo de errado, vamos ficar de olho!
Baixe a ficha da anamnese aqui.
Fernanda Queiróz e Silva – Técnica em Aquicultura – Unidade de Desenvolvimento Rural – SDE – Prefeitura Municipal de Joinville