Atualmente é possível adquirir “pacotes tecnológicos industriais” completos para a gestão de resíduos com insetos, desde sistemas pouco tecnificados até altamente mecanizados. Também já é possível, em algumas regiões, como no sudeste Asiático e na Europa, adquirir volumes significativos e constantes, seja de farinha proteica de insetos (como a mosca soldado negro ou da larva da farinha) quanto fertilizantes orgânicos de insetos (frass), para suprir fábricas de ração e indústrias agropecuárias. Dentre muitas ideias discutidas em profundidade no evento, dois tópicos foram tratados com maior ênfase: a força que os insetos trazem como ferramentas para a gestão de resíduos orgânicos e o uso de larvas de insetos na alimentação de animais aquáticos. Vamos destacar esses dois tópicos neste artigo.
Gestão de resíduos com insetos
A grande estrela deste tópico é sem dúvidas a mosca soldado negro (Hermetia illucens ou BSF). Como já discutimos aqui na coluna, essa espécie é a mais utilizada mundo afora para gerir resíduos orgânicos, permitindo a sua utilização na alimentação animal e na produção de fertilizantes.
Foi destacado que atualmente o número de publicações científicas sobre a espécie publicados anualmente é aproximadamente cinco vezes maior do que sete anos atrás, o que é incrível. Foi também destacada a grande necessidade de se revisar as legislações atuais que proíbem a utilização de diversos resíduos orgânicos como alimento para as larvas, incluindo resíduos pós-consumo, como de restaurantes, e de abatedouros, como no caso de plantas de processamento de animais aquáticos.
Já são conhecidos os benefícios desses resíduos para a criação desta espécie de inseto, incluindo grandes ganhos na sustentabilidade da produção, assim como os riscos associados ao uso desses resíduos, os quais são considerados baixos e facilmente evitados.
Uma questão muito interessante sobre o assunto é a flexibilidade de se adotar a gestão de resíduos com larvas de BSF em diferentes realidades. Por exemplo, o processo pode ser adotado com grande segurança e baixo investimento energético e de infraestrutura no sudeste Asiático ou no Brasil, em comparação à Europa.
Além disso, casos de grande sucesso em pequena e média escala, além dos grandes empreendimentos, foram apresentados na conferência. Plantas de gestão de resíduos de pequena escala (100 – 2000 kg de resíduos tratados por dia) com larvas de BSF têm tido grande sucesso em diferentes países, assim como plantas intermediárias (2000 – 15000 kg de resíduos por dia) e maiores.
Foi discutido com grande destaque que o sucesso de um empreendimento de gestão de resíduos com larvas de BSF não depende necessariamente de sua escala, mas de outros fatores, como a proximidade do local de origem do resíduo com a planta de tratamento, o estabelecimento de um mercado local que seja capaz de absorver os produtos gerados, o tipo de processamento escolhido para as larvas e a aceitação local dos produtos obtidos.
Alimentação de animais aquáticos
Um dos painéis mais interessantes do evento foi o “Painel da Aquicultura: Insetos na Aquicultura Asiática”, moderado pela Dra. Laura Gasco, um dos maiores nomes atualmente no tema de uso de insetos na aquicultura. O painel trouxe experts de diferentes ramos, incluindo pesquisa, fabricantes de ração, produtores aquícolas e consumidores.
O tema foi tratado com grande entusiasmo e foi muito interessante verificar que na Ásia já existem diferentes opções de rações para peixes e camarões, com inclusão de farinha de insetos, além da suplementação de dietas com insetos vivos ou minimamente processados. E o mais interessante de tudo isso é que em diversos países na Ásia, as larvas são criadas com resíduos pós-consumo, incluindo resíduos de frigoríficos, de maneira completamente segura.
Dentre as questões mais interessantes discutidas neste painel, foi destacada a grande aceitação dos consumidores (desde produtores aquícolas que compram rações à base de insetos até o consumidor final que come o peixe alimentado com insetos) para esta possibilidade. No entanto, é importante destacar que essa aceitação não é natural em muitos dos casos, e um certo esforço educativo deve ser feito com esses atores da cadeia de consumo.
Foi também destacado que o uso de farinha de insetos em rações animais beneficia diferentes espécies de formas distintas, ou seja, não é necessariamente um bom ingrediente para todas as espécies aquáticas e devemos focar nas espécies que podem se beneficiar deste produto.
Uma questão importante levantada pelos experts do mercado de rações foi a necessidade do mercado de insetos garantir fornecimento constante e com qualidade estável entre lotes os produtos, pois caso isso não seja realizado, cria-se uma desconfiança entre clientes. Infelizmente isso foi reportado em alguns poucos países, comprometendo o desenvolvimento do mercado.
Finalmente, foi concluído de modo unânime que o mercado de insetos só continuará crescendo daqui para a frente e que nos próximos 5 a 10 anos existirão dezenas de produtos no mercado, desde rações até diferentes formas de alimentos, peixes e camarões cultivados com farinha de insetos.
Para concluir este artigo, sinto que é meu dever deixar claro o entusiasmo que os mais de 600 participantes do evento em Singapura compartilharam ao longo dos dias em que estivemos juntos. O mercado de gestão de resíduos e produção de insetos é muito animador e carrega grande potencial para aumentar a sustentabilidade da produção de alimentos no mundo promovendo a circularidade real em sistemas produtivos. Convido a todos os leitores a se inteirarem desse mercado e se informarem sobre a produção de insetos no Brasil, que também cresce em ritmo acelerado.