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    Bem-estar animal na tilapicultura: certificação e oportunidades

    Eis que chegou o dia (e bem que eu avisei).

    Ainda na primeira década desse século XXI, durante palestras e eventos científicos, eu já antevia que a cadeia produtiva do peixe cultivado trilharia um caminho similar ao de outras cadeias de proteína animal. E, que essa trajetória envolveria uma crescente preocupação com o bem-estar animal e a consequente evolução para uma legislação específica. Antevia, também, a emergência de sistemas de certificação voluntária (terceira parte) de bem-estar animal, impulsionada pela busca na ampliação de mercados e a ocupação de nichos domésticos e, pela abertura de portas para o comércio internacional. Ainda, comentei inúmeras vezes que o futuro reservava a criação de empresas especificamente voltadas para o bem-estar animal, oferecendo assessorias, treinamentos e produtos na área de peixes de produção.

    De fato, a atividade se expandiu e amadureceu, e os acontecimentos se alinharam precisamente com essa projeção. Em 2018, em um evento dedicado à tilapicultura, eu reiterei que a certificação voluntária constituía uma realidade incontornável e sua concretização seria iminente. Na ocasião, apresentei um panorama das certificadoras globais, evidenciando que pouquíssimas atuavam na certificação de peixes, mas reforçando a certeza de que esse cenário se transformaria.

    Logo do International Fish Congress (IFC) em laranja.
    Logo oficial do International Fish Congress (IFC).

    Ao final da década de 2010, com o advento das primeiras edições do International Fish Congress (IFC), minha principal pauta sempre se centrou na premente necessidade de uma maior atenção da aquicultura brasileira, em especial da cadeia produtiva da tilápia ao bem-estar animal. Nas espécies mamíferas e aves, essa preocupação já era motivada pelas exigências do mercado exportador e nacional, pela crescente conscientização pública, pelo fortalecimento da reputação da indústria e por outras razões pertinentes. Eu sempre defendi que tal cenário se tornaria uma realidade tangível em breve. Naquele período, também antecipei que o mercado de peixes se moveria antes da esfera regulatória, com a implementação de sistemas de certificação voluntária de bem-estar animal precedendo a legislação e abrindo novas vias de oportunidades.

    Logo Certified Humane Brasil — selo de bem-estar animal.
    Selo Certified Humane Brasil de bem-estar animal, reconhecido internacionalmente.

    Efetivamente, em 2025, durante o sétimo IFC Brasil, essa previsão se concretizou. Na minha participação no evento, tive a honra de apresentar o primeiro referencial de bem-estar animal para fins de certificação para a tilápia do Nilo de cultivo do mundo (Certified Humane®, 2025). Para concretizar este documento, lançado em maio deste, tive o privilégio de elaborar e revisar. A partir de agora, a possibilidade de certificação e obtenção de um selo de bem-estar animal com renome e credibilidade consolidado internacionalmente, viabilizando a ocupação de nichos e a abertura de novos mercados de exportação, torna-se uma realidade palpável.

    Logo da FWS — Fish Welfare Solutions, startup brasileira de bem-estar animal em peixes.
    Logotipo da FWS (Fish Welfare Solutions), empresa dedicada a soluções de bem-estar animal na aquicultura.

    Ainda tive o prazer de representar a Fish Welfare Solutions (FWS), a primeira startup do Brasil que propões soluções inovadoras para aplicar o bem-estar animal nos sistemas produtivos de pescado, alinhando eficiência produtiva a práticas sustentáveis. A missão da empresa é melhorar a qualidade dos manejos com os animais, reduzindo o estresse e atendendo requisitos de bem-estar animal e sustentabilidade. A FWS baseia sua atuação em uma estratégia de avaliação integral de bem-estar animal, para solucionar problemas de empresas desde a reprodução até o abate de forma customizada, criando protocolos de manejos operacionais, preparando empresas para auditorias de bem-estar animal e auxiliando no desenvolvimento de novos produtos na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

    O que é um referencial de bem-estar?

    É um conjunto de normas estabelecido por um Comitê Científico que determina critérios mensuráveis e auditáveis que abarcam todos as dimensões da vida de um animal (alimentação, ambiente, saúde, gestão, etc.), e que permitem constatar se esses animais vivem em constante estado de bem-estar, com o mínimo de estresse possível.

    O que é a Certified Humane?

    O programa de certificação Certified Humane® é reconhecido internacionalmente que verifica se os animais de produção são criados de acordo com padrões rigorosos de bem-estar, desde o nascimento até o abate. O Certified Humane® é administrado pela organização independente e sem fins lucrativos chamada Humane Farm Animal Care (HFAC), e garante que os animais não sejam mantidos em instalações apertadas, tenham espaço e abrigo adequados, recebam uma dieta nutritiva livre de hormônios e antibióticos (exceto para uso terapêutico sob orientação veterinária) e não sejam submetidos a procedimentos dolorosos. O programa de certificação de bem-estar animal da Certified Humane® confere um selo reconhecido no mundo inteiro e está presente no Brasil desde 2009, com mais de 200 produtores de diversas espécies certificados, baseado na ciência do bem-estar animal. O selo Certified Humane® agrega não só valor ao produto, mas é uma ferramenta de comunicação e de identificação, uma solução de mercado que faz parte das estratégias de sustentabilidade exigidas pelos mercados domésticos e internacionais.

    Visões externas e oportunidades

    Um aspecto interessante dessa minha participação no IFC 2025 para a apresentação da norma de bem-estar animal para tilápias de cultivo, foi o fato de que estive acompanhado por dois colegas atuantes em outras cadeias de proteína animal, a Profa. Dra. Rosangela Poletto, do comitê científico da Certified Humane, médica veterinária e minha ex-aluna, docente do IFRS com vasta experiência em bem-estar de animais de produção; e Luiz Mazon, Diretor da Certified Humane International, cuja atuação abrange diversas cadeias, como suínos, aves e pecuária, entre outras. Ambos observaram a escassa abordagem do bem-estar animal em um congresso focado em piscicultura, especificamente em tilápias. Essa constatação contrasta significativamente com os congressos de suínos, aves e bovinos, onde o tema é amplamente debatido e perpassa praticamente todas as palestras, principalmente em função do impacto positivo que o bem-estar dos animais provoca na produtividade e qualidade final do produto. Mas, enquanto essa percepção gerou preocupação em meus colegas, eu a interpreto como uma grande oportunidade. É inegável que o futuro da aquicultura nacional deve trilhar o caminho de um enfoque crescente nas questões de bem-estar animal. Tal prioridade é fundamental, não apenas pela senciência dos animais e seu direito a um tratamento digno, mas também pela credibilidade e reputação da cadeia produtiva, e pela necessidade de certificações. Estas serão essenciais tanto para impulsionar e otimizar o consumo no mercado interno quanto para expandir as exportações.

    É crucial lembrar que, embora o Brasil ainda apresente baixo consumo per capita de pescado, o mercado interno representa a maior oportunidade de colocação para a produção nacional. Questões como a sustentabilidade da cadeia, a “saudabilidade” do consumo de pescado e métodos de preparo, somadas às discussões sobre bem-estar animal, estarão certamente no radar nos próximos anos. Todos esses elementos, ao fortalecerem a reputação da cadeia, são catalisadores indispensáveis para o seu crescimento contínuo.

    Assim, presumo que, em seguida, a legislação acompanhará e consolidará o ritmo já imposto pelo mercado. Nos próximos anos, ademais da certificação voluntária, avançaremos para uma modalidade de certificação oficial, através de uma legislação que contemple, em particular, os requisitos de sustentabilidade e abate humanitário.

    Concluindo, foi com grande satisfação que apresentei esses avanços à cadeia produtiva, confirmando as previsões outrora estabelecidas e delineando o caminho a seguir.

    Acesse ou baixe:

    Humane Farm Animal Care’s Certified Humane® Welfare Standards – FARMED TILAPIA: Farmed-Tilapia-25-v1.pdf

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