Estive lendo diversos artigos que avaliaram a aquicultura como instrumento para a conservação de espécies. Imaginem o cenário: um ambiente natural sofre um expressivo impacto e diversas espécies são extintas, ou o ambiente vem sendo sistematicamente destruído ao longo dos anos, ou a espécie em questão vem sofrendo uma forte pressão da pesca. Convenhamos que estes cenários não são improváveis. Pelo contrário, são ilustrados diariamente pelos meios de comunicação. Como a aquicultura poderia ajudar?
Estudos têm demonstrado que, desde que apoiado por ferramentas científicas adequadas, a reintrodução de espécies produzidas em cativeiro pode contribuir para ajudar a natureza a se recuperar dos impactos causados por ações naturais ou pelo homem. Querem um exemplo? Olhem o título sugestivo deste artigo: “Farming the reef: is aquaculture a solution for reducing fishing pressure on coral reefs?”. Tradução literal: Cultivando os recifes: é a aquicultura a solução para a redução da pressão de pesca nos recifes de coral? Os autores (Pomeroy et al., 2006) comprovaram que o cultivo de corais pode ser uma alternativa ao extrativismo, reduzindo o risco de destruição dos ecossistemas e a extinção de diversas espécies associadas aos ambientes de recifes de coral. Projetos mais recentes têm abordado a possibilidade de reintrodução na natureza de corais produzidos em cativeiro. E não são somente os invertebrados que vêm sendo pesquisados. Algumas instituições de pesquisa, é o caso da Universidade Federal de Santa Catarina, desenvolvem tecnologia e produzem espécies de peixes marinhos ornamentais ameaçados de extinção, contribuindo para a preservação tanto das espécies como do ecossistema a que estão associadas. O Laboratório de Piscicultura Marinha do Instituto de Pesca, em Ubatuba-SP, vem há mais de dez anos pesquisando espécies de peixes marinhos ameaçadas de extinção. A espécie atual que recebe nossos esforços é o mero Epinephelus itajara. Em breve escreverei um artigo sobre este trabalho. Mas sempre defendemos que o cultivo de espécies ameaçadas poderia vir a se tornar em uma importante ferramenta de conservação. E estas ideias já chegaram na iniciativa privada.
A Redemar Alevinos em Ilhabela/SP vem produzindo a garoupa-verdadeira Epinephelus marginatus e trazendo propostas inovadoras em propor programas de repovoamento da espécie. Outro estudo interessante que recomendo a leitura por apontar os riscos e prover soluções relacionadas ao repovoamento é “A utilização de baixo número de matrizes em piscicultura: perda de recursos genéticos para programas de repovoamento” (Souza et al., 2006). Estes autores abordaram a complexidade do repovoamento, os riscos associados e afirmaram que os mais recentes avanços genéticos, tais como a utilização dos marcadores moleculares, oferecem novas possibilidades no monitoramento do impacto genético de peixes cultivados em estoques naturais. Existem diversos outros estudos que poderíamos citar, mas acho que o objetivo de fazer todos refletirem sobre como a aquicultura de espécies ameaçadas pode contribuir para a preservação da natureza já ficou registrado.
Não acredito que nenhuma ação isolada, por melhor que seja, resolva toda a complexidade que a expansão humana causa no planeta. A ciência tem demonstrado, para cada solução apresentada, a complexidade e os riscos envolvidos. Entretanto, é muito bom saber que o esforço de inúmeras pessoas, em trabalhar com espécies ameaçadas, pode contribuir com a preservação da natureza e ilustrar mais uma faceta da aquicultura que poucos conhecem. A precisão da aquicultura em ajudar a natureza. Afinal, nem só de tilápias e camarões vive a aquicultura no Brasil.
Até a próxima coluna.