Os killifishes, em sua maioria, são peixes que apresentam um colorido que rivaliza com os peixes de recifes de corais. Esta coloração é estratégica para a sobrevivência e reprodução. A água das poças formadas pelo acúmulo da água das chuvas apresenta-se, quase sempre, de cor barrenta. Neste ambiente, a intensa coloração dos peixes serve para a demarcação visual dos limites do território dos machos, além de atrair a atenção das fêmeas durante a corte e o acasalamento.
Habitando poças d’água temporárias, com um ou dois meses de vida algumas espécies já atingem a maturidade sexual e começam a depositar os ovos na lama. Quando a estação das chuvas termina e as poças secam, os ovos depositados continuam ali enterrados. Na próxima estação das chuvas as poças novamente aparecem e os ovos eclodem, reiniciando o ciclo. Dá para imaginar o drama de vida dos killifishes, quando as poças começam a secar? Todos os peixes morrendo pela falta de água e predação por aves, restando apenas a esperança nos ovos depositados na lama do fundo. Depois de ficarem enterrados sem água nem luz por pelo menos dois meses, os ovos eclodem com a chegada das chuvas. E na observação dos brasileiros que residem nestas áreas, a única explicação é que “os peixes caem do céu”. E pensando bem, a sabedoria popular estava bem perto da verdade.
Este complexo ciclo de vida e a distribuição geográfica muito restrita, muitas vezes limitado a pequenas poças em determinadas regiões, permite a ocorrência de um significativo endemismo (ou seja, uma espécie que só ocorre em uma dada localidade). Não precisa nem pensar muito para concluir que são espécies que, quase sempre, estão ameaçadas de extinção. A extinção de diversas espécies de killifishes é alarmante, pois seus habitats vêm sendo progressivamente ameaçados pelo homem, através da degradação do ambiente resultante da construção civil, drenagem, aterros, retirada de areia e poluição por esgotos. Um exemplo disto é a espécie Hypsolebias longignatus que é uma espécie de killifish que só ocorre em lagoas temporárias às margens do Rio Pacoti, em Aquiraz, no Ceará e sofre o sério risco de ser extinta devido às obras da duplicação de uma rodovia. Entre as diversas curiosidades do grupo dos killifishes, a espécie Kryptolebias ocellatus é um dos raros peixes hermafroditas auto-fecundante, ou seja, não precisa de parceiro para se reproduzir!
Pensando nisto é fácil de entender em como a criação de killifishes pode contribuir com a conservação destas espécies. Podendo ser realizada em pequenos espaços e com baixo custo, vem despertando o interesse dos produtores. Existem criações estabelecidas em áreas inferiores a 20 m². Isto permite que se instalem os cultivos em áreas urbanas (aquicultura urbana, um ramo estratégico para a aquicultura ornamental) facilitando o acesso ao mercado consumidor e trazendo uma alternativa diferenciada de emprego e renda às áreas urbanas.
A manutenção de espécies com genótipo puro e a realização de cruzamentos controlados, associada ao intercâmbio de informações e exemplares entre os criadores pode auxiliar os esforços para a proteção deste grupo de peixes tão especiais. Claro que a proteção do ambiente também ajudaria muito!!! Os killifishes nos mostram como a natureza encontra soluções incríveis para a colonização de ambientes inóspitos. E também, como a aquicultura ornamental pode contribuir para atenuar os riscos de extinção de muitas espécies de killifishes. Agora, quando você olhar uma “simples poça de água de chuva”, pense em como pode haver muita vida, com incríveis estórias de adaptação às dificuldades, em um “simples ambiente”.
Até a próxima coluna. E não esqueçam que a aquicultura ornamental, de pequena, só tem o peixe!!!