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    Pérolas brasileiras: o cultivo pioneiro de ostras nativas no litoral catarinense

    Este texto se baseia em reportagem da Aquaculture Brasil, com entrevista e apresentação de Fernanda Queiróz e Silva, ex-integrante da equipe. Eu produzi o vídeo. A gravação ocorreu no tradicional bairro de Sambaqui, em Florianópolis (SC), e mostra a pesquisa coordenada pelo professor Marcos Caivano Pedroso de Albuquerque, da UFSC. O foco é o cultivo de pérolas com ostras nativas do litoral catarinense. 

    Com o mar calmo da Baía Norte ao fundo, o vídeo apresenta uma linha de pesquisa que une aquicultura, biodiversidade brasileira e inovação. Por isso, o projeto tem potencial para transformar a forma como o país produz pérolas.

    Entrevista sendo gravada em laboratório com equipamentos de maricultura
    Bastidores da gravação de reportagem sobre a pesquisa com ostras no laboratório da UFSC.

    Onde tudo começou

    A maricultura em Santa Catarina tem um marco histórico no laboratório de moluscos marinhos da UFSC. Nos anos 1980, professores da universidade, em parceria com pescadores locais, iniciaram os primeiros experimentos para produzir sementes de ostras e mexilhões. Desde então, o setor só cresceu.

    Entre os pioneiros estão os professores Carlos Rogério Poli, que iniciou os estudos com ostras, e Jaime Fernando Ferreira e Aimê Rachel Magalhães, vindos de São Paulo. Eles passaram a trabalhar com mexilhões. Cada um atuou em sua especialidade, mas de forma complementar. Assim, a colaboração com a Epagri e os pescadores locais consolidou as bases técnicas e científicas da maricultura no estado.

    Vista aérea de vila costeira com base de pesquisa em Sambaqui, Florianópolis
    Local onde acontece parte do projeto experimental com ostras nativas

    As sementes eram levadas ao mar, onde os produtores, por tentativa e erro, desenvolveram estruturas de cultivo. Os resultados foram expressivos. Enquanto outros países levavam até três anos para atingir o tamanho comercial da Crassostrea gigas, em Santa Catarina esse ciclo se completava em menos de um ano. Portanto, o crescimento das ostras no estado superou padrões globais.

    Com esse avanço, foi criado um novo laboratório na Barra da Lagoa. Como consequência, o sistema produtivo ganhou escala. Atualmente, cerca de 95% da ostra brasileira vem da Grande Florianópolis. Dessa forma, o estado se consolidou como referência nacional no cultivo de ostras.

    Professor Marcos Caivano Albuquerque durante entrevista
    Marcos Caivano explica as técnicas de cultivo de meia pérola

    A ostra que produz joia e alimento

    Muita gente não sabe que todo molusco com concha pode produzir pérola. Isso ocorre como mecanismo de defesa. Quando um corpo estranho entra na cavidade do animal, ele tenta expulsá-lo. Se falha, recobre o invasor com camadas de nácar, formando a pérola.

    Em Santa Catarina, a pesquisa usa a Pteria hirundo, espécie nativa do sul do Brasil. Conhecida como ostra perlífera, ela pertence a outra família da Crassostrea gigas, cultivada para consumo. Além disso, possui características próprias, como produzir uma substância adesiva que a fixa em substratos, semelhante ao comportamento dos mexilhões.

    A ostra nativa é resistente e adaptada às variações climáticas e salinas do litoral. Sua carne é comestível e valorizada por pescadores antigos como iguaria rara. Assim, ela pode gerar dois produtos distintos: pérolas artesanais e carne para consumo. Consequentemente, o potencial econômico dessa espécie cresce.

    Conchas abertas mostrando o interior de ostras cultivadas
    Conchas são abertas para extração de pérolas e avaliação de qualidade

    Meia pérola: a técnica usada no Brasil

    Diferente da pérola esférica tradicional, a linha de pesquisa da UFSC foca na produção de meia pérola, ou mabe pearl. O método é menos invasivo e tecnicamente viável. A ostra é anestesiada e recebe um núcleo semicircular colado na concha. Depois, volta ao mar e cobre o núcleo com nácar por meses.

    Essa técnica é comum em países produtores. Ela permite que a pérola fique fixada à concha. Após o cultivo, o joalheiro recorta a peça e utiliza a base da concha para montar joias e ornamentos. Com isso, o processo torna-se mais acessível.

    Já a produção da pérola esférica exige cirurgia. Um núcleo esférico, geralmente feito de concha de outro molusco, é inserido com um fragmento de tecido do manto de uma ostra doadora. Essa técnica foi aperfeiçoada no Japão por Mikimoto e requer precisão difícil de replicar. Por esse motivo, seu uso é mais restrito. Inclusive, poucos países dominam essa etapa com alta eficiência.

    Ostra aberta com formação de meia pérola visível
    Núcleo semicircular coberto por nácar dentro da ostra

    Cor, forma e valor

    Genética da ostra e qualidade da água são os principais fatores que influenciam cor e forma da pérola. Águas limpas, com menos partículas em suspensão, geram pérolas mais translúcidas e homogêneas. Por isso, Taiti, Japão e Indonésia são referências mundiais.

    As cores variam: brancas, prateadas, douradas, negras ou com brilho de arco-íris. No Brasil, ainda em fase experimental, os estudos investigam esse espectro. Apesar disso, já se sabe que a espécie nativa tem potencial para criar peças únicas e atrativas. Isso reforça o valor da pesquisa.

    As meias pérolas não atingem o mesmo valor das esféricas perfeitas. Mesmo assim, podem gerar peças valiosas. O professor Marcos cita casos de brincos vendidos por até 60 mil dólares. No entanto, são exceções. A maioria custa dezenas ou centenas de dólares. Para pequenos produtores e artesãos, trata-se de uma oportunidade viável. Além do valor comercial, há também valor simbólico e artesanal agregado.

    Posso ficar rico produzindo?

    Segundo o professor Marcos Albuquerque, essa ideia não é realista no atual cenário. Embora algumas pérolas alcancem valores altos, o mercado trabalha com preços mais modestos. A produção de meia pérola com ostras nativas ainda está em fase experimental. Portanto, deve ser vista como fonte complementar de renda. Mais do que isso, o valor está na inovação, no uso sustentável da biodiversidade e na construção de uma cadeia produtiva própria.

    Cesto com várias ostras perlíferas dentro de estrutura de rede
    Coleta de ostras com potencial perlífero

    Uma ciência feita no mar

    O cultivo experimental ocorre em unidades marinhas próximas ao laboratório da UFSC. As ostras ficam em estruturas tipo lanterna, suspensas na água, durante vários meses.

    Eduardo, doutorando em Aquicultura, conduz um dos trabalhos. Ele acompanha o recobrimento dos núcleos ao longo de um ano. Faz análises com microscopia eletrônica e monitora o crescimento e a sobrevivência dos animais. Até agora, a taxa de sobrevivência ultrapassa 90%. Com isso, fica evidente a boa adaptação da espécie ao cultivo. Além disso, os dados reforçam a viabilidade técnica do processo.

    Pesquisadores manipulando ostras colhidas em ambiente urbano
    Manipulação das ostras para triagem e análise

    O futuro das pérolas brasileiras

    Mais que uma curiosidade científica, o cultivo de pérolas com ostras nativas representa uma nova frente para diversificar a maricultura nacional. Combina conservação da biodiversidade, geração de valor e baixo impacto ambiental. Além disso, não depende de espécies exóticas nem de técnicas invasivas.

    Essa iniciativa valoriza o saber local, fortalece o elo entre universidade e comunidade e abre possibilidades de renda para pescadores, artesãos e produtores aquícolas. Nesse contexto, o papel da ciência é fundamental. Ainda que os resultados estejam em fase inicial, os sinais são promissores.

    Se a pesquisa avançar e houver interesse da cadeia produtiva e da joalheria, não vai demorar para vermos nas vitrines do Brasil e do mundo pérolas com identidade e origem genuinamente catarinenses. Por fim, esse trabalho reflete como o conhecimento científico pode criar oportunidades sustentáveis e culturais ao mesmo tempo.

    Reportagem completa

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