Neste ano de 2024 , uma notícia de destaque na área da mitilicultura nacional é a presença do mexilhão invasor Perna viridis em diversos locais do nosso litoral e algumas vezes associadas aos cultivos do mexilhão Perna perna. Os primeiros relatos de ocorrência de Perna viridis no Brasil foram feitos por pesquisadores do Rio de Janeiro que identificaram a presença desta espécie em estruturas artificiais na Baía de Guanabara. Posteriormente, exemplares desta espécie foram identificadas em áreas portuárias no Ceará, mas agora a “grande novidade” é a presença desta espécie associada a espécie nativa de mexilhão Perna perna, tanto nas cordas de produção como também nas estruturas de cultivos (cabos e flutuadores) em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, aonde inclusive já é comercializado junto com a espécie nativa. Também existem relatos desta espécie em áreas portuárias, ambientes estuarinas e marinhas de São Paulo e Paraná e também em áreas portuárias da Bahia e possivelmente nos outros estados litorâneos do norte e nordeste Brasileiro.

O mexilhão exótico Perna viridis, que apresenta uma coloração esverdeada na concha, ocorre naturalmente no sudeste asiático, em especial ao longo da costa indiana, na Malásia e por todo o Indo-Pacífico, desde o Golfo Pérsico até a Nova Guiné e Japão. Atualmente, esta espécie é cultivada na China, Índia, Myanmar, Tailândia, Singapore, Indonésia e Filipinas e foi introduzido nas Ilhas Fiji e na Polinésia, por crescer rapidamente, reproduzir em águas tropicais durante todo o ano e com isso formar bancos com alta densidade.
Na América Latina a presença deste mitilídeo foi relatada nos meados dos anos 90 em Trinidade e posteriormente na Venezuela e Estados Unidos, no verão de 1999, na Baia de Tampa, Florida. Atualmente, esta espécie parece estar presente em toda a região do Caribe e segundo vários pesquisadores a expectativa é que Perna viridis se expanda por habitats do Atlântico até atingir seus limites térmicos (tolerância mínima de temperatura: 7°C) devido à sua capacidade reprodutiva, pois organismos com tamanho de 15 mm já apresentam diferenciados sexualmente, podendo inclusive a liberar seu material reprodutivo, preferencialmente nas estações da primavera e verão. Outros fatores como parte do ciclo de vida planctônico, ausência de predadores locais, rápido crescimento e tolerância às condições ambientais, incluindo ambiente estuarinos, favorecem a dispersão e o recrutamento da espécie em diferentes ambientes.
Com relação ao seu desenvolvimento larval de Perna viridis estudos indicam que após a fecundação que é externa, atinge o estágio de trocofora de 8 a 12 horas, larva D (comprimento médio 83.0 ± 5.0 μm ) entre 24 a 48h, em função da temperatura e alimentação, desenvolvendo até o estágio de larva pediveliger (comprimento médio 274.0 ± 25.0 μm) entre 14 a 20 dias, quando então abandonam a vida planctônica (coluna de agua) e procuram substratos para se fixarem e continuar o seu desenvolvimento somático até atingirem o tamanho comercial que em função do método, das condições aonde é cultivado, pode durar de 6 a 24 meses.
Esta espécie chegou ao Brasil, como nos outros países, associado ao transporte marítimo mundial, seja pela água de lastro ou por estar incrustada nos cascos dos navios cargueiros, que cada vez é mais crescente neste mundo “globalizado e capitalista”. Para termos uma ideia, da importância da navegação comercial, segundo Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o comércio marítimo representa 80% do comércio mundial em volume e 70% termos de movimentação econômica, ou seja, os navios circulam praticamente pelo mundo inteiro e com isso transportam espécies para “todo os lados”. Existem estimativas que a cada 1 semana ocorre a introdução de uma nova espécie exótica em algum local.
Com relação ao Perna viridis associado aos cultivos de moluscos um fator importante que deve ser considerado, no sucesso do recrutamento desta espécie invasora é que os cultivos de moluscos “criam um ecossistema a parte”, proporcionando uma interação entre vários organismos que podem estar associados as espécies cultivadas ou as estruturas de cultivo, seja na busca de alimentos ou espaços para se assentarem, crescerem e reproduzirem-se.
Em Santa Catarina a ocorrência ocasional desta espécie sempre foi relatada pelos maricultores, contudo neste ano em especial nas áreas de cultivo da Penha esta espécie tem aparecido com maior frequência associado as cordas de produção do mexilhão Perna perna.
Motivados pelos relatos dos maricultores de uma maior presença desta espécie invasora nos cultivos de moluscos em Santa Catarina, iniciamos na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), pesquisas sobre a ocorrência desta espécie em coletores nas áreas de cultivo e nas cordas de produção do mexilhão Perna perna no município de Penha. Também tivemos a aprovação de um Projeto, junto a FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado Santa Catarina), intitulado “Ocorrência de distribuição do mexilhão exótico Perna viridis na costa catarinense e avaliação do seu potencial impacto sobre a atividade da Maricultura no Estado” que será coordenada pela Prof. Mayara Carneiro Beltrão (Oceanografia) e tem como objetivo percorrer o litoral de Santa Catarina, incluindo as áreas portuárias e de cultivo, avaliando a sua ocorrência e posteriormente realizar uma caracterização genética destes indivíduos.
Os resultados preliminares das avaliações da presença de Perna viridis nas cordas de produção de mexilhão Perna perna no municpio de Penha indicam que a espécie invasora recrutou no final do verão, pois a classe predominante do comprimento dos mexilhões foi de 10 a 20 mm e continuou a recrutar, contudo em menor intensidade, e crescendo durante o outono e inverno, com alguns organismos atingindo o comprimento entre 60 a 70 mm. Destaca-se que este mexilhão invasor e encontrado entre os mexilhões Perna perna e solta-se facilmente pois o seu bisso (estrutura de fixação) “é mais fraco” que a espécie nativa. Apesar do mexilhão Perna viridis ser comestível, cultivado e comercializado em diferentes locais do mundo, devido as suas características organolépticas e nutricionais, pois além de ser um alimento nutritivo é rico em ácidos graxos polinsaturados (PUFAs) , do tipo eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenoico (DHA) componentes dos famosos “ômega-3” e já estar sendo comercializado do Rio de Janeiro, o recrutamento de indivíduos desta espécie merece uma atenção especial, não só nas áreas e nas estruturas de cultivo, que são ambientes como menor dinâmica oceanográfica, mas principalmente nos ambienteis de costões rochosos, locais sujeito a maior ação das ondas, pois se isso acontecer com certeza, podemos ter sérios problemas ecológicos de competição com as espécies de moluscos nativos e consequentemente com outros organismos marinhos.
Enquanto isso, nos resta monitorar e aprender mais sobre a biologia desta espécie de mexilhão invasor nas águas brasileiras e em especial Santa Catarina, na expectativa de explorá-lo positivamente e não se tornar mais um problema na mitilicultura brasileira.