Todo mundo ouviu alguma vez na vida sobre a importância de manter uma alimentação equilibrada e saudável, afinal, “você é o que você come”. Vale lembrar que o conceito também se aplica aos animais.
Na nutrição animal, sabemos a importância da alimentação funcional, sendo uma realidade já aplicada nas dietas formuladas. Não é nenhuma novidade que uma dieta rica em nutrientes e enriquecida com aditivos alimentares pode trazer inúmeros benefícios para o sistema imune e consequentemente para a saúde de organismos aquáticos cultivados, mas você sabia que a nutrição também pode influenciar na expressão genética? A nutrigenômica é uma ciência que estuda como a alimentação pode causar interferências no DNA.
À medida que a digestão dos nutrientes ocorre, muitos processos são iniciados, dentre estes, a ativação e transcrição dos genes, expressão de proteínas, atividade de enzimas e metabolismo da microbiota/microbioma intestinal. Através das tecnologias ômicas (área de estudo que inclui genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômica…) os cientistas têm examinado o impacto da nutrição na expressão gênica e se sabe que é possível inibir tendências negativas e estimular as positivas alcançando consequentemente um maior desempenho do potencial genético.
Estudos com salmão-do-atlântico revelaram que inclusão de aditivos na alimentação reduziu a infecção por piolhos-do-mar (Caligus rogercresseyi) e alteraram expressão de genes imunológicos para melhora de imunidade, se mostrando uma ferramenta eficaz como estratégia antiparasitária. Do mesmo modo observou-se redução na carga viral e na gravidade das lesões cardíacas para quatro patógenos virais distintos, além de se identificar que o jejum pode reduzir a expressão de genes associados à imunidade para o peixe cultivado.
Dietas com baixos níveis de minerais em trutas sugeriram inibição de expressão de genes envolvidos na resposta imune, enquanto dietas enriquecidas com selênio aumentaram a expressão dos genes associados à defesa antiviral. Aqui cito apenas alguns estudos e um dos muitos aditivos pesquisados, sendo necessária uma leitura mais ampla de sua parte para aprofundarmos o assunto.
Inevitavelmente encontraremos em dietas formuladas fontes de nutrientes distintas às quais os peixes consumiriam no ambiente natural, mas que suprem perfeitamente sua demanda nutricional. Logo, vale ressaltar que rações formuladas com aditivos orgânicos possibilitarão ao animal maior biodisponibilidade quando comparados aos inorgânicos. A notícia boa é que encontramos no mercado nacional alimentos com a tecnologia de nutrigenômica já empregada para peixes onívoros como a tilápia, carnívoros como a truta e camarões.
Embora as tecnologias disponíveis para realizar análises de nutrigenômica estejam evoluindo rapidamente, existem interações entre dieta, microbiota e saúde do hospedeiro que precisam ser melhor compreendidas pelos especialistas. As evidências sugerem interação da nutrição e imunidade inata (barreiras físicas, químicas e biológicas naturais do organismo); para a imunidade adaptativa (adquirida) ainda se sabe pouco.
Somada a outras tecnologias, o uso da nutrição funcional poderá ser um caminho promissor para tornarmos a indústria aquícola mais sustentável, mais rentável, de rápido crescimento, combatendo patógenos e buscando redução no uso de antimicrobianos. E aqui, mirando na sustentabilidade e qualidade de produto, acertamos também em um custo de produção a menos. Na indústria de salmão, o aumento da produtividade ocorreu de forma simultânea a significativa redução do uso de fármacos. A nutrigenômica nos auxiliará nessa missão.
A produção brasileira de tilápias continua crescendo em ritmo acelerado, as exportações estão aumentando, e além do fomento ao consumo nacional inevitavelmente buscaremos novos mercados no exterior, aos quais devemos estar atentos às exigências desde já. Trago como exemplo o rigoroso critério da União Europeia relacionado ao uso de fármacos em proteína animal. Por vezes não precisamos inventar a roda: “copiar” os modelos que deram certo em cadeias de produção animal mais experientes será de bom-tom.
Com a colaboração de Caroline Marques Maia (FishEthoGroup, fair-fish & Alianima)