Primeiramente, vamos definir o que significa predominantemente em saneamento quando se trata de matéria orgânica presente na água. Sabemos que na natureza ocorrem os processos de autodepuração. Trata-se da capacidade natural de um corpo de água se purificar e recuperar de maneira autônoma de poluentes ou contaminação. Esse processo envolve a ação de microorganismos, plantas, animais detritívoros e outros componentes biológicos que degradam, absorvem ou transformam substâncias nocivas, ajudando a restaurar a qualidade ambiental ao longo do tempo. A autodepuração é uma característica importante para a manutenção do equilíbrio ecológico em ambientes naturais e nós, profissionais da área de saneamento, utilizamos essa característica natural do ambiente para definir as etapas de tratamento da ETE, a fim de remover as substâncias presentes nas águas residuárias aquícolas, de modo que o ambiente continue mantendo sua qualidade de água.
Dito isto, quando dizemos que ocorre um processo predominante em cada nível de tratamento dos efluentes, queremos enfatizar que é o principal mecanismo ou fenômeno que influencia ou domina uma determinada situação, sistema ou processo.
Para criarmos uma linguagem mais fácil na comunicação com os diversos setores da sociedade, convencionou-se classificarmos os tratamentos das águas residuárias em níveis, conforme vamos removendo os sólidos da água de diferentes tamanhos, sempre do maior para o menor. Esses níveis apresentam especificidades para cada tipo de efluente ou água residuária. Portanto, aqui vamos nos ater aos efluentes aquícolas em geral.
Os principais níveis de tratamento são:
Pré-tratamento: Nesse estágio inicial, ocorre a remoção de grandes sólidos, como materiais inertes do tipo pedrisco e areia, materiais orgânicos que possam ter caído na água como pequenos galhos, folhas de árvores; e materiais orgânicos de grandes tamanhos como animais mortos, cascas, resíduos de peles mortas, restos de ração que ainda não entraram em decomposição. Para tanto, utilizamos grades e peneiras, que evitarão danos aos equipamentos subsequentes do sistema de tratamento.
Tratamento Primário: Nessa etapa, a água residuária passa por processos de sedimentação e decantação. Os sólidos suspensos e parte dos materiais orgânicos são removidos da água à medida que se depositam no fundo dos tanques ou lagoas de decantação. O material sedimentado é conhecido como lodo primário e normalmente necessitará de tratamento complementar. Muitos sistemas de produção aquícola geram efluente com baixa carga orgânica, como é o caso dos sistemas de produção extensivo e alguns semi-intensivos. Uma lagoa de sedimentação pode ser a melhor opção para a sua ETE, sendo frequentemente utilizada em locais com recursos limitados, comunidades rurais ou áreas remotas. É importante notar que uma lagoa de sedimentação é uma solução de tratamento primário e, portanto, não remove todos os poluentes e contaminantes da água residuária.
Tratamento Secundário: Compreende dois processos: (1) Tratamento Biológico, onde ocorre a remoção de matéria orgânica suspensa fina e dissolvida por meio de processos biológicos com bactérias e microorganismos, transformando-a em CO2 e H2O. Isso é feito por sistemas aeróbios, anóxicos ou anaeróbios. (2) Tratamento físico-químico, onde a remoção se dá com a adição de coagulantes e floculantes para remover partículas suspensas, matéria orgânica e outros contaminantes presentes na água. Este processo envolve coagulação, mistura rápida, floculação, seguida de decantação ou flotação. Os flocos formados são removidos e necessitam de tratamento complementar.
Tratamento Terciário (ou Avançado): Envolve etapas adicionais para remover poluentes específicos que podem não ter sido totalmente eliminados nos estágios anteriores. Inclui filtração avançada, desinfecção (cloro, radiação ultravioleta ou ozônio) e tratamentos químicos para remover nutrientes como nitrogênio e fósforo. Este estágio garante que a água tratada seja segura para o ambiente ou reutilização.
Vale ressaltar que os níveis de tratamento podem variar dependendo da escala da instalação da fazenda aquícola ou laboratório de reprodução e dos regulamentos locais. O objetivo geral da presença de uma ETE é remover contaminantes, reduzir a carga orgânica e proteger a saúde pública e o meio ambiente, garantindo que os usuários do corpo receptor (local de destino final dos efluentes tratados) que estão a jusante da sua propriedade possam fazer uso da água sem estar sujeito a problemas com contaminações ou doenças.
Imagino que a essa altura você possa pensar que tudo isso é muito complexo ou mesmo que a sua propriedade não polui o meio ambiente. No entanto, essa afirmação só poderá ser feita se conhecermos os valores dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos das águas residuárias aquícolas. Muitas delas podem não precisar de tratamento ou necessitar de níveis simples de tratamento. O que precisamos pensar é que tipo de água residuária a propriedade gera e qual será o nível de tratamento necessário para se ter uma propriedade sustentável. O desenvolvimento sustentável aquícola em relação aos recursos hídricos busca garantir a viabilidade a longo prazo das atividades aquícolas, de forma a não prejudicar os ecossistemas aquáticos e a disponibilidade de recursos hídricos para as gerações futuras.
Na próxima edição vamos conversar sobre os processos biológicos de tratamento das águas residuárias aquícolas. Escreva para mim sua dúvida. Vou adorar trazer assuntos de seu interesse.