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    Regulamentação da União Europeia irá barrar a entrada de commodities com origem associada ao desmatamento

    Regulamentação da União Europeia irá barrar a entrada de commodities com origem associada ao desmatamento. E eu com isso?
    Em 2019, a União Europeia lançou um plano de sustentabilidade, o Pacto Ecológico Europeu, estruturado por uma série de regulamentações. Entre elas, temos o regulamento 2023/1115, também conhecido como EUDR (European Union Deforestation-Free Regulation), o qual visa barrar a entrada de commodities no território europeu que possuam origem associada à perda de florestas. No regulamento, há uma lista de produtos de base e produtos derivados de 7 commodities que são alvo dessa normativa: bovinos, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha e madeira. Interessados podem encontrar a lista completa de produtos no Anexo I do regulamento.A lei entrou em vigor em junho de 2023, mas sua implementação tem um período de carência de 18 meses. Isto significa que o EUDR se tornará efetivamente aplicável a partir de 30 de dezembro de 2024. No entanto, em setembro, o Brasil pediu à União Europeia que a implementação do EUDR fosse suspensa, alegando que a lei fere acordos internacionais nos âmbitos comerciais e ambientais, além de princípios da soberania territorial. Após o apelo feito pelo Brasil e por outros países, a Comissão Europeia propôs o adiamento da implementação do EUDR por um ano. Porém, a proposta ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.De acordo com o regulamento, exportadores deverão apresentar uma declaração de devida diligência às autoridades competentes, com o objetivo de comprovar que os produtos em questão são livres de desmatamento e estão em conformidade com a legislação do país de origem. Vale ressaltar que a regra se aplica a qualquer desmatamento, realizado legal ou ilegalmente, após 31 de dezembro de 2020. É uma meta bastante ambiciosa.E como seria possível comprovar a origem desses produtos? Na prática, é preciso de rastreabilidade. O que significa que o produto deve ser monitorado desde a fazenda até o armazenamento nos portos, utilizando dados de geolocalização e documentos que comprovem o caminho percorrido até a entrada nos portos europeus. É importante garantir que não haja mistura desse produto com outros que não consigam comprovar a sua origem. Tudo isso respeitando o direito à confidencialidade, quando aplicável. Ou seja, está posto na mesa um desafio de logística bastante audacioso.

    De forma geral, a cadeia de commodities se estrutura para produções em larga escala, com regulação de preços pelas leis da oferta e da demanda no mercado internacional. Até então, a lógica adotada sempre foi a de produzir em maior quantidade ao menor custo possível. A cadeia da soja brasileira, por exemplo, se organizou de forma pulverizada pelo país, onde um armazém portuário compra grãos de diversos armazéns intermediários, que podem comprar também de outros armazéns, ou de diversos produtores em diversas localidades, e por aí vai. No cenário atual, é extremamente difícil garantir a segregação ao longo de toda a cadeia produtiva brasileira.

    Ao considerarmos o histórico e o contexto de outros países produtores de soja, como, por exemplo, Paraguai, Argentina e Estados Unidos, podemos identificar diferentes cenários de adaptação. O Paraguai possui um cenário parecido com o do Brasil, em termos de estrutura logística e risco de desmatamento. Já a Argentina, que possui características geográficas de um país com poucas áreas florestais, além de ter sofrido um processo de estruturação da cadeia voltada à exportação para os Estados Unidos, estaria mais preparada para atender aos requisitos do EUDR. No entanto, a soja argentina não atende aos padrões de teor de proteína do mercado europeu, e historicamente, adiciona soja do Paraguai aos seus estoques para nivelar a qualidade do produto exportado. No caso dos Estados Unidos, país onde culturalmente o direito à privacidade é um valor imperativo, o maior entrave é obter as informações exigidas pelo EUDR com todos os elos da cadeia.

    E o que nós, do mundo dos peixes, temos a ver com isso tudo? Os produtos da aquicultura não constam na lista do EUDR, pelo menos não até o momento. No entanto, em um mundo de cadeias globalizadas, é difícil imaginar que uma mudança importante nos produtos de base não crie um efeito em cascata. Além disso, é muito pouco provável que o EUDR seja revogado ou que o Brasil opte por não aderir às exigências dos mercados globais, principalmente em questões sensíveis como o desmatamento.

    O cenário ainda é nebuloso, mas ao que tudo indica, teremos mais tempo para nos prepararmos. A possibilidade de adiamento criou também uma expectativa de maior clareza em relação a critérios, métricas e sistemas de aferição propostos na lei. No entanto, independentemente de quando o EUDR entrar em vigor, à medida que as cadeias se preparam para atenderem a legislação, o que podemos esperar é um aumento geral nos custos. Isto porque para adotar um sistema eficaz de rastreabilidade, muitas empresas e produtores deverão aumentar significativamente os investimentos em infraestrutura e logística, o que poderá ser repassado a outros produtos e atividades que dependem dessas cadeias, como é o caso das rações. O farelo de soja, por exemplo, é muito utilizado na fabricação de rações comerciais para pescados.

    A pergunta que fica é a seguinte: haverá um impacto nas cadeias da aquicultura? Ainda não temos essa resposta em definitivo, e é possível que novas atualizações aconteçam até o final do ano, o que pode abrir outros cenários. A especulação que fazemos aqui tem como objetivo provocar o setor aquícola para a possibilidade de uma gestão estratégica deste risco, antecipando ameaças e oportunidades. Afinal, um setor antenado a riscos tem maiores chances de ser resiliente e atenuar os problemas a serem enfrentados. E resiliência é uma palavra que combina com sustentabilidade!

    Esse texto foi inspirado em um bate-papo com Tomás Pueta, o qual agradecemos pelas gentis e enriquecedoras contribuições.

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