Em um mundo onde as mudanças climáticas já afetam safras, cadeias produtivas e economias inteiras, o grande desafio é: como desenvolver uma economia próspera e resiliente diante de um contexto de crise climática? Esta será uma das principais pautas da COP30 — a Conferência Anual das Nações Unidas sobre Mudança do Clima — que acontecerá no Brasil ainda este ano. O objetivo do encontro é claro: reunir lideranças políticas e econômicas para garantir que avancemos nas metas globais para o clima. E essa discussão passa, inevitavelmente, por estratégias eficazes de redução das emissões de gases de efeito estufa — os chamados GHGs (greenhouse gases, do inglês). Em outras palavras, é hora de descarbonizar os sistemas de produção.
A estratégia que tem sido mais amplamente discutida e estimulada para esse fim é o mercado de carbono. De forma resumida, o mercado de carbono é uma estratégia de compensação via transação de volume de carbono, na qual uma instituição ou empresa que deseja reduzir ou zerar o impacto das suas emissões adquire créditos de outras instituições que capturam carbono da atmosfera. Por exemplo, quando uma empresa compra créditos de projetos de conservação florestal, a lógica é que as emissões estão sendo capturadas por essa floresta, deixando de ser emitidas para a atmosfera. Outra possibilidade, dentro dessa mesma lógica, é o caso de empresas que emitem abaixo do que é aceitável para seu setor e, por esse motivo, podem vender créditos referentes a esse excedente que deixou de ser emitido por elas.
Atualmente, o mercado de carbono encontra-se no modelo chamado de mercado voluntário. Isso quer dizer que as instituições que desejam compensar as suas emissões fazem isso por vontade própria, tendo como motivação a conquista de uma reputação de empresa comprometida com as metas do clima ou a necessidade de adequação a uma exigência de mercado. Ainda que a adesão seja voluntária, o processo deve seguir padrões internacionais para que seja credível. Os padrões mais reconhecidos atualmente para créditos de carbono são o Verified Carbon Standard (Verra – VCS) e o Gold Standard. Há também normativas para a elaboração dos inventários de emissões, como a ISO 14064 e o GHG Protocol.
Por outro lado, há também a discussão sobre a necessidade de implementação de mercados regulados. Nesse caso, há a definição regulamentada pelos governos de limites de emissão (ou “cap”) para cada setor, no qual as empresas são obrigadas a se adequarem, seja pela redução nas emissões ou por meio da compensação (compra de créditos). Esse modelo já está sendo implementado em algumas regiões, como a União Europeia e o Canadá, e para alguns setores específicos, como produção de energia e aviação. No Brasil, até o momento, prevalece o mercado voluntário, ainda que o mercado regulado tenha sofrido um avanço recente por meio da aprovação da Lei nº 15.042/2024 que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
O impacto do mercado de carbono na economia é transversal a todos os setores produtivos. Porém, o agronegócio é um dos setores mais pressionados e estratégicos, por seu impacto no volume de emissões, sua vulnerabilidade às mudanças climáticas, seu potencial de mitigação e sua importância econômica. Nas cadeias do agronegócio, o carbono é um tema que está cada dia mais em alta. Não por acaso: a produção de alimentos é responsável, atualmente, por um terço das emissões globais de GHG, o que é equivalente a aproximadamente 18 gigatoneladas (Gt) de CO2 por ano. Desse total, 71% são emitidos pelas atividades no campo, tanto pelas práticas agrícolas quanto por mudanças no uso do solo ou desmatamento. O Brasil está entre os seis maiores emissores, com um total de 1.3 Gt CO2 por ano (7.4% do global), ao lado da China (2.4 Gt CO2e, 13.5%), Indonesia (1.6 Gt CO2e – 8.8%), Estados Unidos (1.5 Gt CO2e – 8.2%), União Européia (1.2 Gt CO2e – 6.7%) e India (1.1 Gt CO2e – 6.3%). A boa notícia é que esses números vêm impulsionando uma mudança de mentalidade no setor.
Os grandes players do agro já começaram a se movimentar, com projetos pilotos e iniciativas pontuais voltadas à redução da pegada de carbono. Embora ainda limitadas em escala, as ações em curso sinalizam caminhos estratégicos para a descarbonização. A adoção de sistemas e práticas que emitem menos — como a agricultura regenerativa, o desenvolvimento de insumos com menor fator de emissão (como biofertilizantes), o uso de biocombustíveis e energia fotovoltaica, e o monitoramento para uma cadeia livre de desmatamento — são algumas das tendências mais pulsantes do setor. No entanto, para que isso se prove eficaz, é preciso contabilizar as emissões diretas e indiretas associadas aos sistemas produtivos. Nesse sentido, os grandes players do agro têm investido também na criação de inventários detalhados de emissões. O principal objetivo é mensurar e comunicar, com credibilidade, para o elo seguinte na cadeia produtiva, uma pegada de carbono do produto que seja menor, o que vai impactar a contabilidade de GHG deste próximo elo. Mapear as principais fontes de emissão na cadeia é um passo indispensável para um planejamento de melhoria contínua, com resultados sólidos no longo prazo. A lógica é reduzir as emissões ao máximo possível, e compensar o que não for possível reduzir.
O carbono também é um tópico quente no setor aquícola, onde os stakeholders têm demonstrado um interesse crescente pela pauta — e pelas oportunidades econômicas associadas a ela. A promessa é que a aquicultura teria uma pegada de carbono significativamente menor quando comparado a produção de outras proteínas e, por isso, poderia ingressar no mercado de carbono como um vendedor de créditos. Mas será que essa promessa pode mesmo se tornar realidade?
Antes de qualquer conclusão, é preciso reconhecer: a aquicultura é um setor altamente diverso — em espécies, em sistemas produtivos e, consequentemente, em emissões. Por isso, generalizações não ajudam. Alguns cultivos, como os de algas e moluscos bivalves (ostras, mexilhões), têm emissões notoriamente baixas. Já os sistemas de produção de peixes ou camarões, tendem a ter uma pegada de carbono mais significativa, principalmente pelo uso de insumos. Aqui cabe outro destaque: o inventário de emissões também considera as emissões indiretas. Isso significa que as emissões associadas a produção de ração e fertilizante, transporte, energia elétrica, equipamentos e infraestrutura são contabilizadas. A ração, aliás, costuma ser a principal fonte de emissão nos sistemas de produção que dependem de alimentação formulada. Por ser composta majoritariamente por grãos, cuja produção carrega sua própria carga de emissões, a ração representa um elo crítico da pegada de carbono do setor. Portanto, é preciso olhar para a aquicultura com lupa — e com mais dados.
Em comparação a outros sistemas de produção de proteína, como a pecuária, a aquicultura tem apresentado um volume total de emissões menor quando comparada à produção de bovinos, suínos e aves. Isso está associado às características da aquicultura, mas também ao fato de que o volume de produção é comparativamente menor. Já no que diz respeito à intensidade das emissões, que considera as emissões por tonelada de biomassa produzida, a pegada de carbono da aquicultura está equiparada a produção frango.
A aquicultura pode, sim, ser uma aliada estratégica na agenda da descarbonização. Mas isso exigirá planejamento, inovação e, sobretudo, o compromisso de medir, reduzir e — se necessário — compensar as emissões. O cenário é desafiador, mas também cheio de oportunidades. Em um mundo cada vez mais guiado por métricas de sustentabilidade, a aquicultura pode ocupar um lugar de destaque. A pergunta que fica é: qual será, afinal, o lugar da aquicultura nessa nova economia que está sendo desenhada?
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Fazenda. Sancionada a lei que estabelece as bases para um mercado regulado de carbono no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/Sancionada-a-lei-que-estabelece-as-bases-para-um-mercado-regulado-de-carbono-no-Brasil. Acesso em: 30 jun. 2025.
Crippa, M., Solazzo, E., Guizzardi, D. et al. Food systems are responsible for a third of global anthropogenic GHG emissions. Nat Food 2, 198–209 (2021). https://doi.org/10.1038/s43016-021-00225-9